De Valença do Minho a Santiago … no Caminho do meu renascer (3)
De Padrón a Santiago ... e o regresso renascido Bobadela, 23 de Maio
Para penúltima etapa, optámos por apontar a Milladoiro, subúrbio já da
capital da Galiza, a escassos 7 km da mítica e mágica Praça do Obradoiro.
Tinha dito à minha pequena peregrina que esta era uma etapa fácil ... mas
esqueci-me que eram 19 km praticamente sempre a subir. Se na etapa anterior
ela tinha precisado de força e ânimo ... esta foi verdadeiramente uma prova de
superação, particularmente nos quilómetros finais; os 100 km já percorridos, o
cansaço acumulado ... faziam-se sentir.
Igreja de
Iria Flavia, primeira Catedral
galega
As setas amarelas guiam-nos no Caminho das Estrelas...
Saímos de Padrón às oito e meia da manhã. Rapidamente atingimos
Iria Flavia, a cujas imediações terá chegado a barca de pedra com o corpo decapitado de
Santiago. Entre o Sar, a linha do comboio e a N-550, o Caminho era
sempre para norte, atravessando pequenas aldeias rurais e marcado por diversas
grandes Igrejas, como a de Iria Flavia, o Santuário da
Excravitude ou a Igreja de Santa María, mas marcado também
pelos belos bosques até ao lugar de O Faramello.
Igrejas da Excravitude (acima) e de
Santa María, entre Iria Flavia e Angueira de Suso
Imagens de uma Galiza rural e campestre, a caminho de
O Faramello
Igreja de S. Martinho, já no município de Teo
Estávamos cada vez mais perto...
A etapa estava a ser durinha para a minha pequena/grande peregrina, por efeito
cumulativo do perfil quase sempre ascendente, da alternância frio/calor ... e,
claro ... dos mais de 100 km que já levava nos pés. Mas ... nem uma bolha, nem
um músculo "avariado", nada; apenas cansaço, perfeitamente natural. Quanto
orgulho nesta minha PE (Peregrina Especial) 💞
Os últimos 6 km foram os mais penosos, com subidas mais acentuadas ... e já
com alguma fome. Finalmente, lá nos aproximávamos de Milladoiro; numa
recta interminável ao longo da estrada, pareceu-nos ver um polícia ... mas
afinal era um "sinaleiro" a cativar peregrinos para o snack "O Camiño", ligeiramente desviado da estrada, à entrada da povoação. Nem pensámos duas
vezes ... e a paragem deu para almoço e recuperação de forças...
A recarregar energias na tapería "O Camiño",
Milladoiro
Estávamos a 7 km do campus stellae. No dia seguinte bem cedo deixámos
Milladoiro, para chegar bem cedo. O pequeno almoço foi já em
Santiago ... e a apoteose da chegada tomava conta de mim ... de nós
dois. Pela sétima vez a pé ... cheguei a Santiago de Compostela.
22.Maio.2021, 9h15 - Passo a passo ... pedra a pedra ... entrávamos em
Santiago de Compostela
São 9h20 ... avançamos pela Rúa do Franco ... rumo à
Catedral ... rumo ao Campo das Estrelas!
Foi a minha 7ª vez ... mas este Caminho ... este foi o 1º de uma "nova
era"; a minha pequena/grande peregrina estava ali comigo, com superação e,
principalmente, com Amor. E todos os que Amamos estavam também ali connosco,
nos nossos corações, naquela apoteose da chegada às estrelas ⭐ Mas desta vez
o que mais me impressionou foi o quase total vazio e silêncio das ruas e da
Praça, tão diferente do bulício habitual; por isso ... gritei a plenos pulmões
... SANTIAAAAGOOOO!
SANTIAAAAGOOOO ! OBRADOOOOIROOOO ! 128 km depois
... chegava ao campus stellaecom a estrela que
acompanha o Caminho da minha Vida!
O Universo permitiu esta foto monumental: apesar dos poucos peregrinos, um
peregrino checo que tínhamos visto apenas uma ou duas vezes ofereceu-se para
imortalizar a nossa chegada.
A chuva ligeira com que tínhamos entrado na cidade parou ... mas a chuva em
Santiago é Arte! Até pouco antes ... tínhamos vindo a ouvir os "Luar na Lubre" ... "O son do ar" e ... "Chove en Santiago". Jamais esquecerei a sensação desta minha sétima chegada ao
Obradoiro; a primeira com a companheira da minha Vida ... mas também a
primeira em Ano Xacobeo, ou Ano Santo.
O Ano Santo é celebrado desde a Idade Média, por disposição papal, quando o
dia do apóstolo Santiago (25 de Julho) coincide com um domingo; o último
celebrou-se em 2010 ... os próximos serão em 2027, 2032 e 2038.
Não é permitido entrar na Catedral com as mochilas, pelo que fomos primeiro à
Oficina do Peregrino
mostrar as nossas Credenciais e pedir as
Compostelas. Como quis mudar tudo, para alojamento em Santiago reservara desta vez um
lugar desconhecido, a
Pensión Airiños Aires
...
e foi uma óptima escolha, muito perto da Catedral e da Oficina do Peregrino. Largámos as mochilas ... e então sim fomos à Catedral, à
Missa do Peregrino, ao meio dia. Claro que entrámos pela
Porta Santa, ou Porta do Perdão, porta que é apenas aberta nos Anos Santos e através da
qual o Peregrino ganha o Jubileu, a indulgência plenária, ou perdão dos
pecados. A abertura da Porta Santa tem lugar na tarde do dia 31 de
Dezembro do ano anterior, segundo um complexo e antigo cerimonial (a que
assisti em 31 de Dezembro passado pela TVE). Quando está fechada, a Porta está
tapada por um muro de pequenas pedras soltas, que simbolizam a dura
peregrinação. No momento da abertura, a procissão aproxima-se desse muro pela
Praça da Quintana, o arcebispo golpeia-o três vezes com um martelo de prata e
ordena que se abra a Porta. Os operários derrubam o muro pelo lado de dentro,
recolhem o cascalho, limpam o chão com ramos de loureiro e a procissão entra
na Igreja.
Entrada na Catedral pela Porta Santa ...
a Porta do Perdão, ou da indulgência plenária
Quando saímos da Missa do Peregrino, já havia um pouco mais de
movimento ... e já se ouvia a gaita no Arco do Pazo, entre a
Acibecheria e o Obradoiro 🎶🎵...
Mas para já eram horas de alimentar os estômagos. E também a esse nível fomos
a um sítio novo para mim, o "Bocalino Cafe Bar", na Travesa do Franco, onde comemos um esplêndido
pulpo a feira ... e uma tarte de Santiago.
Largo e esplanadas junto à
Pensión "Airiños Aires", uma óptima opção de alojamento em Santiago a preços peregrinos
Depois ... depois foi a única vez que nos separámos neste Caminho. A minha
peregrina especial optou pelas compras ... eu optei por deambular pelo
Parque da Alameda e seus miradouros, pelas velhas ruas e ruelas ... a
Viver e Sentir Santiago ... cidade mágica ... o
campus stellae ...a chegada de peregrinos de todos os "estilos" ...
sentindo o que eles sentem ... embora ninguém sinta o mesmo que ninguém ...
nem sequer o mesmo que nós próprios, noutro "lugar" do espaço/tempo.
Miradouro da Catedral, a partir do Parque da Alameda
Viver e Sentir Santiago ... cidade mágica, na tarde de 22 de Maio
de 2021
Aproximava-se a hora da despedida ... mas o fim de um Caminho é só
o início de outro. "Não é um adeus, irmãos ... é só um até breve ". No dia seguinte, domingo, seria o regresso a casa ... e até o regresso foi
diferente: depois de cinco anos a regressar de autocarro da
ALSA, viemos para casa com
a FlixBus ... a partir
da novíssima
Estação Intermodal de Santiago
... inaugurada na véspera!
Serra de Montejunto, 15h15 ... estávamos quase em casa...
Este foi o Caminho do meu renascer ... o expurgar dos meus fantasmas ... o
arrumar das fragas e pragas que me atiraram ao Caminho, que tinha que
ultrapassar ... que ultrapassei 🌿🕊️
Em tempos ainda de pandemia, claro que também a esse nível este Caminho foi
diferente, muito para além da necessidade do uso da máscara. Senti a falta,
essencialmente ... das ceias comunitárias, do maior convívio e troca de
experiências e vivências com outros peregrinos de nacionalidades as mais
diversas, como era habitual na "era pré-covid". Mas, apesar de tudo, o Caminho
vai retomando a sua imagem; encontrei mais peregrinos do que imaginava, nesta
fase ... e o amanhã será seguramente melhor! Dos vários peregrinos que
conhecemos, destaco essencialmente o grupo de 4 portugueses que mais vezes nos
encontrámos e com quem vivemos, entre outros, os momentos da "Mesa de Pedra". Ana, Joana, Dário e Mammy Maria Luísa ... Bom Caminho ... Bons
Caminhos!
Não sei quando nem com quem será o meu próximo Caminho ...
contigo ... sozinho ... com quem o destino quiser. Mas a ti, que fizeste deste
o teu primeiro Caminho de Santiago ... dizer obrigado é pouco, muito
pouco! Foste e és uma pequena/grande Peregrina, que, além deste, me acompanha
no maior e principal Caminho: o da Vida! Ultreïa! 🙏💞
(Escrito e composto em casa, a 29 de Maio)
(Clique na faixa Franciscana, à esquerda, para ver o
álbum
completo de
Fotos)
O Caminho Português foi uma vivência que me marcou para toda a vida. No Caminho a dois aprende-se a meditar e a conhecermo-nos melhor um ao outro e a nós próprios. Obrigada!
3 comentários:
O Caminho Português foi uma vivência que me marcou para toda a vida.
No Caminho a dois aprende-se a meditar e a conhecermo-nos melhor um ao outro e a nós próprios.
Obrigada!
Acompanhei a vossa aventura deste lado.....gostei muito do que li e senti.....achei fantástico .....parabéns pelo vosso exemplo de vida e partilha....
Foi muito bom seguir-vos através deste relato tão pormenorizado e sentido. Parabéns aos dois.
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