terça-feira, 11 de março de 2014

Do Côa ao Águeda ... na senda do Sol nascente

O que é que se faz quando se acorda às 3 da manhã e não se tem sono? Bem, quando se espera até às 4 e se continua sem sono, estando no "retiro" de Vale de Espinho e com o tempo bom ... preparam-se as coisas e sai-se pouco depois das 5 para ir ver nascer o Sol... J. E assim começa uma "aventura" não planeada, sem percurso estudado ... e que se transforma numa jornada de 45 km a pé nas terras da raia!
6:05h: Os Fóios ainda dormem,
mas o dia começa a clarear
Assistir ao espectáculo grandioso do nascer do Sol ... teria de ser na Serra das Mesas, nas torres das Ellas ... ou no "meu" mítico Xalmas, o Xálima a que os arraianos chamam de Serra da Enxalma. Tendo optado por não pegar no carro, para lá chegar a pé teria de ter saído ainda mais cedo...! Assim, optei por apontar aos Fóios e à Serra das Mesas.
O Sol nascia às 6:47h; por volta das 6 o dia começava contudo a clarear. Os Fóios estavam ainda adormecidos à minha passagem, só os cães davam por mim ... certamente curiosos de quem seria aquele "contrabandista" de "carrego" às costas, passando a boa velocidade. Mas a boa média de 6,5 km/h não foi suficiente para chegar ao Cabeço Vermelho à hora do Sol nascente, como ao longo desses 10km nocturnos me tinha entretanto proposto. Às 6:47h ... estava a pouco mais de 1km do Cabeço Vermelho, já contudo na raia de Espanha, no sítio da Cruz do Pedro. E ... o astro rei levantou-se ligeiramente a norte do "deus" Xalmas, por trás das giestas e pinheiros que dele me separavam, fazendo lembrar uma autêntica sarça ardente mágica e mítica.

6:47h - O "deus" Sol nasce junto ao "deus" Xalmas...!
Será uma sarça ardente?...
Iluminações mágicas,
de momentos mágicos...
Cabeço Vermelho (1125m alt.), 7:40h
Com o Sol a levantar-se, o Cabeço Vermelho foi "dobrado" ainda na indecisão de para onde rumar a seguir. Para além do nascer do Sol, esta caminhada foi a única de que me lembro que foi sendo desenhada à medida que avançava...J. E assim, na descida do Cabeço ... rumei a Navasfrias, por um velho caminho que não conhecia - só a velha carta 227 o indica, a nova não - ao longo do vale do Regato de Valdelagarto. E que maravilha de trilho! Ora por entre carvalhais cheios de líquenes, ora atravessando verdes lameiros, a sensação era a de estar num mundo perdido...

Descida para Valdelagarto
Lameiros de
Valdelagarto
              
A caminho de Navasfrias
              
Navasfrias
Minutos antes das nove da manhã estava a entrar em Navasfrias, pela rota dos contrabandistas. Uma padaria com bom aspecto "chamou-me" ... e dela trouxe um saboroso e fofo pão de azeite e "anizes" (erva doce). Já que a caminhada desenhada ao sabor do acaso me havia levado até ali ... porque não explorar o rio Águeda, o irmão gémeo do Côa, nascidos ambos do ventre da Serra das Mesas?

Fuente Linares
O Rio Águeda, em Navasfrias
Depois da área de El Bardal e durante mais de 6 quilómetros, acompanhei então o curso do jovem Águeda, por belos terrenos rurais que me eram ainda desconhecidos. Lá como cá, ruínas de velhos moinhos avivam as memórias de um tempo perdido, na história destas populações e da labuta pela vida.

Ao longo do Águeda
Catedrais de
beira-rio
Molino
de Paíno
Lameiros do Molino de Lurú
Rápidos junto ao Molino de Peleche
Com um despertar tão madrugador, e mesmo já com um reforço alimentar, o almoço teria forçosamente de ser cedo. Ainda não eram 11 horas, num belo recanto onde o Águeda ressalta em vários desníveis de rocha, junto às ruínas do Molino de Peleche ... fiz uma pausa de quase uma hora para almoço. Afinal ... já levava 21 quilómetros de marcha! E já me apercebera que a jornada iria aproximar-se dos 40 km...

O Águeda junto às Casas del Infierno
No chamado Valle de las Tres Rayas, o Águeda segue o seu curso para leste; as Tres Rayas são os limites das comarcas de Navasfrias, Casillas de Flores e Payo. Mas eu não podia continuar a afastar-me...; tinha de regressar a terras lusas e a Vale de Espinho... J! Junto às Casas del Infierno - não me perguntem o porquê deste nome... - abandonei o Águeda para virar o rumo a oeste, entre as ribeiras de Codesal e da Lajeosa, ambas afluentes do Águeda. Com o percurso estudado na carta à medida que avançava, a ideia era entrar em Portugal pela Lajeosa e rumar a Vale de Espinho por Aldeia Velha.

Última imagem do Águeda. Ele segue o seu curso ... eu tinha de seguir o meu...
Um caminheiro errante ... a caminho da raia
E o Xalmas sempre a dominar a paisagem raiana
Vinte minutos depois do meio dia regressava a Portugal, pela estrada da Lajeosa da Raia, a meio caminho entre Navasfrias e Casillas de Flores. Atravessar a Lajeosa ... foi a sensação de atravessar uma terra fantasma ... não vi uma única alma, a não ser a de alguns gatos...!

Lajeosa da Raia ... a aldeia fantasma...
Estudada mais uma vez a carta, concluí que da Lajeosa a Aldeia Velha não havia alternativa à estrada alcatroada. Uma parte maçuda da jornada ... mas o muito pouco trânsito, a paisagem ... e o olhar do Xalmas sempre no horizonte fizeram com que se passasse rapidamente. Para sudoeste, por trás do vale onde iria surgir Aldeia Velha, já se via a Serra do Homem de Pedra e as suas "árvores" estranhas, os moinhos de vento dos tempos modernos. Um quarto para as duas ... e estava em Aldeia Velha.

Aldeia Velha, com a sua ribeira/rio, o Cesarão
Já com mais de 30 quilómetros nos pés, de Vale de Espinho separavam-me agora as alturas do Homem de Pedra. Havia que subir à Senhora dos Prazeres e ao Cabeço Melhano. E portanto lá vamos, mais lentamente, mas ganhando a altitude que deixava ver, atrás de mim, o planalto raiano a perder de vista, até às alturas da Peña de Francia; ainda um dia tenho de explorar as maravilhas da Serra da Peña de Francia... J.

Há que subir...
Aldeia Velha fica para trás, com as alturas da Peña de Francia ao fundo
Capela da Senhora dos Prazeres, Serra de Aldeia Velha
E ... o Xalmas a dominar...
Passado o Cabeço Melhano ... já era tudo a descer para Vale de Espinho. E, passando próximo ... não podia deixar de ir visitar a "sepultura" das minhas velhas botas... J. Atravessei o Seixel, rumei às Fontes Lares ... e lá estavam elas, no cimo da parede mestra da velha casa em ruínas! Tive a sensação de que, quando me viram ... sorriram para mim ... com aquele sorriso da abertura com que se finaram... J.

Fontes Lares ... e daqui já via as minhas velhas botas...!
Cá estão elas.
Paz à sua "alma"... J
E vamos para a etapa final...
Cinco minutos depois das cinco da tarde, doze horas depois de ter saído de casa ... estava a entrar em Vale de Espinho, com 45 quilómetros percorridos!

Já são campos de Vale de Espinho
17:05h - Com 45 km nos pés em 12 horas de jornada ... estou quase em casa!
Esta terá sido, provavelmente, a única caminhada que até agora fiz ... desenhada ao sabor do andamento... J. Em fim de mais uma estadia no meu "retiro" raiano ... fechei com chave de ouro...

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3 comentários:

Vítor disse...

Fantástica aventura!

António Mousinho disse...

Foi descoberta mais uma rota para o contrabando de experiências raianas, abençoada pelo Xálima e com um par de botas, como talismã!

joaquim Gomes disse...

Parabéns grande amigo.....fantástica caminhada....locais belíssimos.....narrativa perfeita.....um grande abraço