Em Agosto de 2000 comprei umas botas
Meindl em
Pralognan-la-Vanoise, em pleno
Parque Nacional da Vanoise. Se aquelas botas falassem ... teriam muito para contar, muitas fragas e pragas para descrever...!
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Col de Iseran, Parque Nacional da Vanoise, 8.Agosto.2000 |
Efectivamente, dos
Alpes franceses ao
Gerês, a
Somiedo, a
Gredos, à
Malcata, às
Torres das Ellas, na
Gata ... ao longo de sensivelmente uns 10 anos aquelas botas palmilharam as léguas sem fim a que as levei ... ou a que elas me levaram! Quantos quilómetros fizeram? Não sei ao certo, já que só tenho registos GPS desde 2005 ... mas seguramente perto de uns 4 mil quilómetros ... ou mais! Só em finais de 2010 comprei outro par ... quase iguais. Mas as primeiras, as minhas velhas e históricas botas, não foram abandonadas. Passaram a residir permanentemente na "minha"
Vale de Espinho, onde, já velhinhas e cansadas, ainda calcorrearam bem as ladeiras e os caminhos da serra!
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Sobre Coto de Buenamadre e o vale do Rio del Lago, Parque Natural de Somiedo, 5.08.2006 |
.JPG) |
Travessia do Gerês |
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em família, 26.07.2008 |
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Torres das Ellas, Serra da Gata, 12.08.2008
Fragas e pragas... da história e das estórias de umas botas... |
As ladeiras da
Malcata e da
Marvana, os lameiros do
Côa e do
Bazágueda, ainda as viram passar algumas vezes nos últimos anos, já muito velhinhas ... cansadas ... abertas...! Ainda em Janeiro passado elas me levaram aliás à
Cascata da Cervigona ... a "princesa" do
Xálima! Nesse dia levei uns ténis na mochila ... para o que desse e viesse...
J. Ia preparado para lhes fazer o "funeral" por lá, mas apesar de abertas, esfarrapadas ... trouxeram-me de volta a
Vale de Espinho e os ténis não saíram da mochila! E, de qualquer modo, sem qualquer razão de queixa das terras de
nuestros hermanos ... mas o funeral tinha de ser em terra lusitana ... em terras, claro está ... do
Côa e da
Malcata!
E é assim que chegamos à caminhada de hoje. Uma caminhada de despedida ... da despedida das minhas velhas botas, as primeiras
Meindl, vindas um dia de terras de França, do paraíso da
Vanoise ... para virem morrer na serra que, pelos meus pés, um dia elas adoptaram, tal como eu a adoptei há mais de 4 décadas.
Saí de casa, hoje, ainda não tinham batido as nove horas. E saí ... com as minhas velhas
Meindl nos pés; seriam elas que me iriam levar ainda à sua última morada! Na mochila ... estavam as suas sucessoras, também
Meindl ... que entretanto igualmente já calcorrearam quase as mesmas léguas, nos últimos 3 anos ... mas que apesar de idênticas nunca tiveram a resistência e a capacidade de "sofrimento" das suas irmãs mais velhas. Estas, as "novas" que já são velhas, vão agora passar a residir em
Vale de Espinho, substituídas que já foram por umas
Bestard que são, presentemente ... a luz dos meus pés...
J.
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3.Março.2014, 9:00h - Campos de Vale de Espinho |
E que local destinaria eu para "túmulo" das minhas botas velhinhas? Naturalmente … o local mais místico e mágico nas memórias e nas lendas das raízes da pequena arraiana que, um dia, há mais de 40 anos, me ligou a
Vale de Espinho … as
Fontes Lares! As paredes de pedra da velha casa que em Abril de 1973 ainda conheci de pé, hoje em ruínas … decerto eternizarão a memória das muitas fragas e pragas a que aquelas botas me levaram!
E assim, numa manhã que parecia anunciar a vinda do Sol e da Primavera já próxima, subi pela enésima vez a velha
Quelhe das Pedras, em direcção às encostas da
Serra Madeira. Com uma hora de marcha, lá encontrei as mariolas com que há uns meses assinalei o caminho das
Fontes Lares.
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passado perdido no tempo |
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Janela aberta ... para um |
Primeiro a "casa do Zé Tomé", com as suas janelas abertas para um passado perdido no tempo, logo a seguir a "nossa" velha casa das
Fontes Lares, junto à sua velha presa, ao secular carvalho, à nascente de água pura e cristalina, ao "barroco sagrado".
Da velha casa só restam ruínas, paredes esboroadas, pilares de pedra que mais parecem monólitos erguidos aos céus. Só a parede mestra se mantém mais ou menos completa, percebendo-se o vértice onde assentava o tecto há muito desaparecido. As giestas e as silvas nascem por entre as memórias que as pedras querem contar.
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A velha Casa das Fontes Lares. As giestas e as silvas nascem por entre as memórias... |
O dia, que amanhecera soalheiro, tornara-se mais cinzento e frio. Um vento cortante soprava das alturas do
Melhano e da
Serra de Aldeia Velha. Só então troquei as velhas
Meindl pelas suas sucessoras, que levara na mochila. Num exercício de equilibrismo, trepei as ruínas da parede nascente; na esquina, enchi as defuntas com pedras pequenas da própria parede, para fazer de lastro; cada bota ficou a pesar uns 5 quilos! Com o cuidado imposto pela eventual derrocada, transportei-as até ao vértice da parede mestra … e ali as depositei, expostas à inclemência da Natureza e dos tempos que se avizinham. Uma pedra maior de cada lado … e recua antes que caias nas silvas ou nas pedras espalhadas pelo que outrora foi a sala!
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No alto das velhas paredes de pedra ... ali jaz desde hoje o meu velho par de botas... |
As minhas botas, velhas, cardadas, que palmilharam léguas sem fim … ali ficaram para a posteridade, respirando o ar puro da serra, contemplando o "barroco sagrado" e o carvalho secular, vendo correr a água que brota da nascente "divina" … nestas "minhas" terras de
Vale de Espinho!
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Adeus ... minhas velhas botas, que tantas fragas e pragas andaram... |
Deixei as
Fontes Lares pelo
Seixel, rumo ao caminho que desce do
Cabeço Melhano. Nuvens escuras ameaçavam baptizar a jovem sepultura das minhas velhas companheiras de tantas e tantas "aventuras". Cruzei o caminho e rumei à
Malhada Alta, bebendo a água da ribeira dos
Urejais na velha e grande Quinta que se estende até terras do
Soito, também ela de muros e ruínas perdidas nas memórias das gentes de
Vale de Espinho e do Soito. Já a rumar a sul, pelas onze e meia a promessa das nuvens escuras cumpriu-se, sob a forma de granizo que fazia doer na cara! Felizmente não durou muito, intervalava de quando em vez com boas abertas e até com algum Sol, enquanto eu avançava por entre os altares de pedra do "reino" dos
Urejais, cruzando o caminho novo do Soito, rumo ao caminho velho que ao
Soito também levava.
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Por entre os altares de pedra do "reino" dos Urejais... |
Pouco depois do meio dia estava na
Có Pequena. O velho cruzeiro lá estava … como que indicando-me, hoje, a direcção das
Fontes Lares e do altar onde um dia passou a descansar um par de botas…
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Cruzeiro da Có Pequena |
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E Vale de Espinho, do Areeiro |
Com pouco mais de 10 quilómetros percorridos, entrei em
Vale de Espinho pelo
Areeiro. O "funeral" das minhas velhas
Meindl estava realizado…
3 comentários:
Já tens mais um motivo para ires às Fontes Lares! Lá deixaste mais um símbolo...
Zé Xalmas,
Este é o único funeral que tem uma beleza ímpar!
Ana Cardinal
Caro José Carlos Calixto - Xalmas
Como eu o compreendo. Pois este ano lá para os lados do Curral do Pinhõ e descendo para a Ponte das Servas no regresso do Poço Azul, também eu iniciei a despedida das minhas. A minha companheira de andanças no mesmo dia e caminho, já perto das Cascatas do Arado também iniciou a despedida das dela.
F Santos
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