sábado, 27 de março de 2021

Na senda das nascentes do Bazágueda e da Ribeira da Meimoa

No final de Janeiro, o excelente documentário “Malcata – Conto de Uma Serra Solitária” levou-me a uma caminhada a solo ... à (re)descoberta da Malcata: as minas de ouro, o vale abandonado pela captura do rio Bazágueda ... e tanto mais.
Pontão do Moinho do Rato, 5h50
Enquanto que o Côa é o principal rio na encosta norte da Malcata, na encosta sul o Bazágueda disputa a sua importância com a Ribeira da Meimoa, pertencentes ambos à rede hidrográfica do Tejo, através respectivamente do Erges e do Zêzere, de que são afluentes.
Também em Janeiro, estabeleci uma sã conversação numa rede social acerca da nascente do Rio Bazágueda, erradamente referido na Wikipedia como nascendo no Concelho do Sabugal. Relativamente perto do limite entre os Concelhos do Sabugal e de Penamacor, o Bazágueda nasce na encosta sul da Malcata, portanto concelho de Penamacor, até pela simples razão de que, se nascesse no concelho do Sabugal ... teria de correr para norte; basta consultar a carta topográfica militar M888-238. Várias linhas de água formam a cabeceira do Bazágueda, como a Barroca do Pedro Lopes e a do Passil, convergindo ambas na Malhada do Barroso, de onde segue para a Veiga Grande, a Malhada do Cieiro e a Quinta do Major, recebendo até lá várias outras linhas de água, como a Ribeira das Ferrarias.
Sarças ardentes?... Não, é o Sol que vai
nascer! Lá ao fundo é Vale de Espinho
Cabeço da Moura (1076m alt.), 6h35
Todo o curso do Bazágueda na Serra da Malcata corre em vales profundos e estreitos ... dificilmente acessíveis ou mesmo inacessíveis. Nas minhas várias incursões na Malcata, conheço bem a zona da Quinta do Major, ou, mais a sul, na zona da Mouca, onde ainda se vêem as ruínas dos Moinhos do Bazágueda, onde viveu a única habitante da Reserva da Malcata, a ti MariZé Salgueiro. Dali, já mais largo e mais calmo, continua para o Moinho do Maneio e para a barragem, já depois da estrada de Penamacor. Faz fronteira desde a foz do rio Torto até desaguar no rio Erges, afluente do Tejo, próximo das ruínas de Salvaleón ... que um dia também tenho de ir conhecer.
A referida troca de conhecimentos acerca da nascente do Bazágueda fez nascer a vontade de a ir procurar ... sabendo embora que teria provavelmente de andar a corta mato; desde que não houvesse silvas ... tudo bem! E, na mesma jornada pedestre, poderia aproveitar também para explorar a nascente da Ribeira da Meimoa, esta mais facilmente localizável, entre a belíssima fonte do Espigal e o cabeço da Machoca. E assim ... saí do meu retiro de Vale de Espinho às cinco e meia da manhã; a minha raiana ficou como bela adormecida ... e às 6h20 poderia ver nascer o Sol, lá para os lados da nascente do Côa. As cores do nascer do Sol vi ... mas depois ele perdeu-se numa neblina vinda precisamente das terras do Sol nascente. E no cabeço da Moura ... tinha o "mundo" aos meus pés...
Panorâmica perto do Cabeço da Moura para sul. Ao longo deste vale uma ténue linha de água corre já para o Bazágueda
O afloramento quartzítico do Barroco Branco, a poente da Moura, 7h15
A "aventura" ia começar pouco depois do Barroco Branco. Ainda por estradão, cheguei à cabeceira da Barroca do Pedro Lopes. Sendo esta a principal linha de água que concorre para a formação do Bazágueda, pode-se considerar que é ali a nascente do grande rio selvagem que atravessa a encosta sul da Malcata. Aliás, diversos mapas referem-na já com a designação "Rio Bazágueda".
A vermelho o percurso seguido, à descoberta da nascente
 
Na foto, 30 metros de desnível mais abaixo, à esquerda,
nasce o Bazágueda, que no seu curso jovem é a
Barroca do Pedro Lopes
Neste ponto, ilustrado na foto ... saí do estradão e desci para aquela ladeira que parecia impenetrável. Foi como se de repente tivesse anoitecido de novo. Primeiro não via água ... mas ouvia-a. O que já tinha ouvido antes, mais acima, no estradão, não era imaginação. E ... lá estava ela! Um fiozinho muito ténue, mas que quase logo recebeu o seu primeiro pequeno afluente, vindo dos lados do barroco branco. Dir-se-ia que eu estava num reino fantasmagórico, com sulcos profundamente cavados pelas águas de invernos mais rigorosos, mergulhado na penumbra do denso arvoredo. Aos 'esses' (como o mapa ilustra bem), fui descendo o curso da barroca ... ou do incipiente Bazágueda. E naquele mundo perdido ... qual não é o meu espanto quando chego a umas ruínas, assinaladas em carta nenhuma. Ruínas de quê? Uma espécie de portal ... muros ... aparentemente uma casa tosca, pequena. Quem seria o Pedro Lopes que deu o nome à barroca? Seriam aquelas pedras toscas a sua morada? Seja como for ... ali houve vida, trabalho, suor ... memórias certamente perdidas na voragem do Tempo.
No reino fantasmagórico que encontrei na nascente e primeiras águas da Barroca do Pedro Lopes ... o jovem Bazágueda
E no meio deste "mundo perdido", afastado dos trilhos e junto à linha de água ... surgem vestígios de um Tempo sem tempo...
Um pouco mais larguinho, aí vai o jovem Bazágueda, ainda Barroca
E o Bazágueda segue o seu curso para sul, rumo à Malhada do Barroso e à Veiga Grande
A vontade de seguir o curso do Bazágueda era grande ... mas quanto mais para sul maior era também o desnível em relação às margens do profundo vale em que ele se insere ... com mais vegetação ... e mais longe de quaisquer trilhos. Houve assim que voltar a subir ao estradão que tinha deixado ... e foi uma aventura. Muita carqueja, mato cerrado, troncos entrecruzados ... e foi a passo que lá subi os entretanto já quase 50 metros de desnível entre o fundo do vale e o estradão. Não os vi, mas de vez em quando ouvia-se o urro de javalis! A última foto é numa breve "janela" no meio da "selva" em que me vi envolvido. Quase assim que cheguei ao estradão ... recebi o melhor dos prémios: um corço à minha frente; por breves fracções de segundo ... olhou-me olhos nos olhos ... e disparou para o mato.
E do incipiente Bazágueda ... ia passar para a cabeceira da Ribeira da Meimoa
Deixando o Bazágueda seguir o seu curso, rumei a noroeste, para o vale da incipiente Ribeira da Meimoa. Da nascente do Bazágueda à nascente da Ribeira da Meimoa medeia cerca de um quilómetro e meio em linha recta ... ou não tivessem sido já, geologicamente, as duas linhas de água gémeas, antes da captura fluvial do Bazágueda para o vale do Erges. A Ribeira da Meimoa nasce ligeiramente a norte do Espigal, entre este e o alto da Machoca. Foi para lá que me dirigi.
Subindo as primeiras águas
da Ribeira da Meimoa
Sítio, tanque, Casa e Fonte do Espigal, 9h45
O belo sítio do Espigal, com a água puríssima daquela fonte "milagrosa", foi o local de maior paragem desta caminhada; reforço alimentar ... e algum descanso ... para a seguir continuar a subir o curso da Ribeira da Meimoa até que as águas deixaram de se ver. Dependendo dos invernos serem mais ou menos pluviosos, a nascente situar-se-á, portanto, mais perto do Espigal ou mais perto da Machoca.

Ribeira da Meimoa próxima da nascente ... até que a água desapareceu, entre o Espigal e a Machoca
Torre da Machoca à vista. Estava terminada a senda das nascentes dos dois rios principais da encosta sul da Malcata
Às 11h50 estava no alto da Machoca, junto à torre de vigia. O dia tinha ficado meio fosco, mas a Barragem do Sabugal, a cidade do Sabugal, a Serra da Estrela a poente ... a panorâmica que de ali se admira é sempre cativante.

Alto da Machoca (1072m alt.), 10h50: a panorâmica abre-se agora a norte, para a Barragem do Sabugal
Na Machoca começava o regresso. A opção foi a descida rumo ao Alcambar. Afinal ... estava a tempo de ir almoçar com a minha estrela arraiana, que só me aguardava lá para meio da tarde... 😁

Descida para o Alcambar e para Vale de Espinho, rumo à velha estrada nunca acabada que ligaria Vale de Espinho a Malcata
Ao meio dia e meia hora estava a cruzar o Côa na Ponte Nova, junto à praia fluvial de Vale de Espinho. Para não repetir caminho, ainda deu para dar a volta pelo Moinho da Ervaginha, subindo depois até à estrada de Quadrazais e entrando na aldeia por noroeste.

A Ponte Nova e o Côa, junto à Praia Fluvial de Vale de Espinho, 12h30
Moinho da Ervaginha
Entrada em Vale de Espinho pelo caminho proveniente da Ervaginha
O campanário estava a dar a uma da tarde quando entrei em casa. Tinham sido 23 km de "descoberta", por montes e vales, dentro e fora de trilhos. Uma boa manhã, de novo a solo ... recompensada com o belo almoço que a minha bela adormecida entretanto preparara. A senda das nascentes ... já é passado. As águas do Bazágueda e da Ribeira da Meimoa seguem o seu curso.
A "Santinha", como o povo de Vale de Espinho lhe chama, recebeu-me quase em fim de jornada, 12h45
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3 comentários:

Aquiles Pinto disse...

Excelente descrição, fica-se com vontade de explorar. Verificaste a presença de coelhos? Um abraço

rui chamusco disse...

Parabéns amigo pela excelente descrição dessa caminhada per terrenos que nos dizem muito. Também eu, sendo de Malcata, conheço a serra e esses lugares míticos que nos encantam. Obrigado pela sua reportagem. Abraço

Edward Finholdt disse...

Incredible description...