Fins de Outubro e primeiros dias de Novembro ... é tradicionalmente altura de virmos até às nossas terras da Raia ... à nossa
Vale de Espinho. Além da "
Festum Omnium Sanctorum",
a festa do dia de Todos-os-Santos, também são as cores do Outono a chamarem-nos ao nosso pequeno retiro ... a casinha da Branca de Neve e dos Sete Anões, como lhe chamamos.
Quarta feira, 23 de Outubro, foi dia de muita chuva. Abençoada chuva! O
Côa, os campos e lameiros, toda a Natureza anseia por chuva, que tarda a vir na quantidade a que ainda poucos dias antes tínhamos assistido mais a norte, em
terras de Arcos de Valdevez. Depois, no dia seguinte, 5ª feira, o Sol iluminou de novo os céus e a terra ... e este eterno peregrino "
dos montes que medem o céu " logo correu às "
frias serras onde primeiro o Sol nasceu ... e onde os rios ainda são apenas fontes ".
Às Fontes Lares a corta mato...
Fontes Lares ... o meu "santuário". Perdi a conta a quantas vezes ali fui ... a quantas vezes me deitei no velho barroco "sagrado", como que absorvendo a energia telúrica que dele emana ... a energia das memórias tantas vezes transmitidas ... das memórias que não vivi, que não eram minhas ... mas que sinto como minhas. Ali ... sinto tantas vezes a presença do pai da minha estrela arraiana, do meu saudoso Zé Malhadinhas. Talvez num outro Universo, numa outra dimensão ... ele saiba e sinta a minha Paixão por aquele local e por estas terras. Desta vez, contudo ... optei por chegar lá quase sempre sem trilhos, bordejando a
Coba Grande e as
Guizias.
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Vale de Espinho ... por entre os castanheiros |
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Sem trilhos ... bordejando a |
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Coba Grande e as Guizias |
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E chego às Fontes Lares, à vista do "barroco sagrado" |
A mochila, desta vez ... era para trazer tortulhos, ou
tartulhos, como aqui são chamados. A pouca chuva ainda não os fez contudo despertar em quantidade e exuberância, ao contrário do
Outono de há 4 anos. No entanto, a magia das
Fontes Lares deu-me alguns ... um deles mesmo à porta da velha casa em ruínas ... onde continuam as minhas velhas botas, a descansar num sono eterno.
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Um dia ... qualquer dia ... a velha casa das Fontes Lares terá sido engolida pela vegetação. Restarão as memórias... |
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"Minhas botas, velhas, cardadas, palmilhando léguas sem fim ... quanto mais velhinhas e estragadas ... ... quanto mais vigor sinto em mim"... |
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Deixando as Fontes Lares, pela igualmente velha casa do t'Zé Tomé |
No regresso, ainda rumei ao
Lameirão, opção que rendeu mais um tartulho. Num misto de corta mato e velhos trilhos, rumei às
Cortes e aos
Nheres ... e antes das seis da tarde estava em casa.
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Por velhos caminhos, outrora cheios de vida e de gente ... hoje esquecidos e cheios de mato... |
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Vale de Espinho à vista, rumo à Barreira |
As iguarias colhidas passaram na sábia inspecção da mãe da minha estrela ... que pelo sim pelo não entendeu ser a primeira a prová-las...
😋. Pena foi que não houvesse mais...
Pelo Vale da Maria, Fonte Moira e Barroco Branco
Dois dias depois, também a seguir ao almoço ... parti em busca de mais tartulhos para os lados da ribeira do
Vale da Maria ... mas também em busca de mais cores, reflexos, sons, cheiros ... sensações.
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A caminho do Côa ... |
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... junto ao Moinho da Nozeira: reflexos, cores e sons do Côa ... que anseia por mais água |
Atravessei o
Côa quase em frente ao velho
Moinho da Nogueira (ou Nozeira) ... o que revela a pouca água que leva. E comecei a subir o curso da ribeira do
Vale da Maria ... lembrando-me do percurso seguido há poucos meses, quando cantei às minhas netas a
melodia de dormirmos os três na serra. Mas agora, a solo, acompanhei o curso da ribeira, com mais água do que o caudal do Côa faria prever.
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Subindo o vale ... rumo ao Sol que vai descendo |
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Os lameiros do Vale da Maria são pastagem habitual de ovelhas e cabras... |
Estas ovelhas pastavam tranquilamente no lameiro ... mas esta caminhada teve uma história: a certa altura, já entre o
Vale da Maria e a
Fonte Moira, vejo aproximar-se um cão, guardador das ovelhas que estavam mais abaixo, como que em minha perseguição. A "cara" dele não era ameaçadora, mas não ladrava … o que normalmente não é muito bom sinal. Nunca tive até hoje problemas com cães … mas não sei porquê peguei num pau … que felizmente não precisei de usar. Ele aproximou-se … eu falei-lhe "ao ouvido" … disse-lhe que estava ali em paz e que não tinha feito mal às suas ovelhinhas; ele estacou a um metro de mim, a ouvir-me … só depois então ladrou … no preciso momento em que voltou para o seu terreno e para as suas ovelhas. E eu, como não havia ali tartulhos ... continuei serra acima...
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Fonte Moira:
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a água desce, enquanto eu subo, rumo |
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ao Sol ... e aos tartulhos 😊
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Acima já da Fonte Moira, a caminho do Cabeço do Passil e da Lomba |
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Fura mato, serra acima... |
Quando saí de casa apenas pensava ir à cata dos tartulhos no
Vale da Maria. Como não os havia fui subindo, encontrei-os na
Fonte Moira. Lá em cima, na
Lomba que separa as terras do Sabugal das terras de Penamacor, o Sol ia descendo ... e eu fui subindo atrás dele. Há já algum tempo que não subia ao limite das Beiras. Quase furando o mato e sempre com a Barroca da Fonte Moira por guia ... vinte minutos antes das cinco da tarde estava acima dos mil metros de altitude. Para sul ... abriam-se-me as colinas ondulantes da "minha"
Malcata, a perder de vista. Eu e o Universo! Sinto-me fazer parte da paisagem ... sinto a paixão que me liga a estes campos, a estas serras, a estes sons, a estes cheiros ... que tão bem conheço e me conhecem. Extasio-me num olhar contemplativo...
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Próximo do Cabeço do Passil, 16h45: da Lomba ... extasio-me ante as colinas ondulantes da "minha" Malcata |
E agora? Estava na
Lomba, tinha mais cerca de duas horas de luz. Podia descer pela
Pelada ... mas apeteceu-me continuar ao longo da crista, pelo menos até ao
Barroco Branco, o afloramento quartzítico que se assoma passado o
Cabeço da Moura para poente ... para onde o Sol descia, para se recolher atrás das colinas da Malcata, ali por entre, ao fundo, as alturas da Gardunha e da Estrela.
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Cabeço da Moura, 17h20 (1076m alt.) |
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E sigo ao longo da Lomba. O ambiente começa a ganhar as cores do fim da tarde. |
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Barroco Branco, afloramento quartzítico entre o Cabeço da Moura e o Espigal |
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No cimo do Barroco Branco ... lá em
baixo, projectado no solo, estava alguém.. |
Do Barroco Branco ... havia que "mergulhar" rumo ao
Alcambar e ao
Côa, para regressar a
Vale de Espinho. Sabia ... que não havia trilhos. Sabia que seria descer quase que a direito, ao longo do curso da
Barroca Direita, pelo meio ... do que aparecesse. Já por ali andara há uns anos ... mas o mato nunca está igual, a Natureza é dinâmica. E assim, ora pelo meio das ramagens e das cores fabulosas do Outono ... ora pelo meio de um emaranhado de giestas e de silvas ... à hora do pôr do Sol estava no caminho que desce do Alcambar para os
Pradinhos e para o
Moinho do Rato.
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Pela magia outonal, a corta mato, a caminho do Alcambar |
Com o dia a declinar, cruzei o
Côa no sempre belo
Moinho do Rato. Trazia praticamente 15 km nos pés quando o sino de
Vale de Espinho (infelizmente electrónico) tocou as 19h00. Se fosse hoje ... seria já noite cerrada ... entrámos na hora de inverno ... os dias são mais curtos ... a noite foi mais longa uma hora.
Por cantos e recantos já sobejamente palmilhados ao longo de quase meio século ... estas duas caminhadas vivi-as contudo intensamente. Souberam-me a Vida, a cor ... a "música". Porquê? Não sei. Talvez pelo improviso. Afinal, em ambas ... eu saí de casa apenas para ir aos tartulhos, sem rumo, sem destino, sem percurso definido ... aonde o improviso me levasse.
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Moinho do Rato, 18h45: o Sol já se tinha posto ... mais uns 20 minutos e caía a noite nas terras de Vale de Espinho |
Continuaremos nas terras raianas até depois do
Halloween e da "
Festum Omnium Sanctorum" ... mas estas duas caminhadas mereciam desde já ... mais uma crónica de uma vida ao ar livre.
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Os percursos das duas caminhadas descritas
nesta "crónica" ... (clicar nos mapas para ampliar) |
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... e o link para o álbum completo de fotos (clicar na foto) |
2 comentários:
O imparável Callixto(desta vez com "cajado" na mão) e as suas belas reportagens! Um abraço
Sempre o texto e a fotografia a despertarem o nosso interesse.
Bem haja!
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