Como relatei no
prólogo, ao início da tarde do dia 29 de abril tínhamos chegado à
Barra Mansa. Tínhamos aberto a
porteira para um mundo diferente de tudo e
distante de tudo. Tínhamos uma sensação de imensidão, de paz, de um isolamento
que contudo nos conectava com o Universo ...
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Durante a caminhada do dia 30, 07h45
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e que nos conectava entre nós e com o pessoal da fazenda ... sem
distanciamentos ... sem posições ... formando uma família que o fomos
verdadeiramente. Ali vive-se verdadeiramente um Tempo sem tempo ... sem
pressas ... sem stress.
A fazenda
Barra Mansa
foi fundada nos anos 40 pela
família Rondon, pioneira na proteção das comunidades indígenas. Situada numa suave curva do
Rio Negro, a sede era o refúgio de toda a família durante as férias, o
que despertou a vocação turística da fazenda, que abriu as
porteiras para receber visitantes em 1996, sob o comando do músico e
compositor
Guilherme Rondon. A comunidade local, acostumada com o trabalho com gado, facilmente aderiu à
proverbial hospitalidade pantaneira, ao saber receber com aconchego, como se o
turista fizesse parte da família. E foi assim que nos sentimos com a Vitória,
o Renato e o Daniel, este último filho do músico e ambos primos ... que se
sentem irmãos.
A nossa estadia na
Barra Mansa
englobava pensão completa (claro, não há restaurantes nem lojas num raio de
mais de 100 km...) e o programa incluía actividades diárias de caminhada,
passeios a cavalo, de barco ou em canoas no
Rio Negro, safaris em
veículos 4x4 ... e lazer, muito lazer.
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30.04.2024 - No remanso da Vida
sem a pressão do
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tempo ... durante e após a caminhada da manhã
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Mas nem tudo eram rosas no nosso recanto do Paraíso. O calor era bem maior do
que o previsto para a época (Outono) e a seca ditara o desaparecimento de
vastas zonas que estariam normalmente alagadas ... enquanto começávamos a
assistir às notícias da tragédia de Porto Alegre e de todo o Rio Grande do
Sul. Também os insectos, para os quais tínhamos ido bem prevenidos com
sprays,
roll-ons e até pulseiras electrónicas ... pareciam
gostar dessa parafernália ... e de sangue europeu...
O planeta está doente ... e o Homem está a destrui-lo a uma velocidade
assustadora... 😓
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Os tuiuiús são as aves símbolo do Pantanal
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Às cinco e meia da manhã acordávamos com a polifonia das aves, despertadas
para um novo dia ... porque cedo é que se começa o dia. O Sol nasce pelas seis
... pouco depois já tínhamos as iguarias do pequeno almoço no pavilhão onde
decorreram todas as refeições. Escusado será dizer que tudo é produzido e
confeccionado na Fazenda e pelo pessoal da Fazenda, desde a fruta ao pão,
bolos, queijos, leite, café, sumos ... e o delicioso néctar que é o doce de
leite. Depois, divididos em dois ou mais grupos, consoante as actividades, às
sete horas partíamos em exploração ... para regressarmos entre as nove e as
nove e meia ... já que a temperatura atingia já os 36º ou 37º!
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Caminhada da manhã de 30.04.2024, pelos matos e
capão próximos da
Barra Mansa, sob a orientação do Mestre Corumbá
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O remanso nas camas de rede ou nos quartos, com ar condicionado e ventoinha no
tecto, o convívio e as caipirinhas ou os gins pouco antes do almoço (servido
ao meio dia) preenchiam o resto da manhã.
A actividade da tarde preenchia normalmente uma a duas horas, entre as quatro
e as seis da tarde; às cinco e meia começa a escurecer ... e começam as
esplêndidas cores do pôr-do-Sol. Os nasceres e os pores-do-Sol no
Pantanal permanecerão entre as imagens mais belas que os meus olhos já
viram.
No dia 30, contudo, a nossa actividade da tarde foi "especial". Como disse no
prólogo ... havia uma lua de mel a celebrar no grupo! E para surpresa dos
próprios noivos, tudo vinha preparado de Lisboa ... e o Universo providenciou
que a "cerimónia" fosse complementada com um belo serão de música pantaneira.
Não, não estavam o
Almir Sater
ou o
Guilherme Rondon
... mas estava Seu Manezinho. 72 anos de uma vida dura ... peão de boiadeiro
... actualmente trabalhador da Barra Mansa ... cantor e compositor genuíno,
que canta do fundo da alma dessa vida dura. A que fabulosa actuação
assistimos!
E chegava o primeiro dia de maio, o nosso segundo dia completo no Pantanal. De
manhã ... um Safari 4x4 em que uma jiboia atravessou o caminho e em que
visitámos uma Escola Rural em Tempo Integral, ou seja onde os alunos passam
totalmente a semana, estudam, comem e dormem na Escola, bem como o respectivo
professor. A vida nestes meios isolados não é fácil...
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01 e 02.05.2024 ... actividades não faltaram ... na vida dura destes
"pantaneiros" portugueses... 😂
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A "vida dura" do
Pantanal ... para nós era caminhar, comer, dormir ...
comer, navegar, dormir ... dormir, comer, passear ... e diversão, muita
diversão e muita amizade, muito convívio, entre nós e com o Renato, a Vitória,
o Daniel, todo o pessoal daquela
Barra Mansa que já considerávamos um pouco nossa. Não encontrámos a Juma Marruá da
novela, nem o velho do rio ... mas no rio vimos "paletes" de jacarés. Houve
quem tenha visto ou julgado ver uma onça pintada atrás de uma lontra ... e os
pores-do-Sol e as noites na
Barra Mansa ... e até houve quem tenha visto um Ovni... 😂
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O Sol desce sobre o Rio Negro, 02.05.2024, 17h10
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Noites de convívio, de amizade ... de Vida - 02.05.2024, 20h45. Sim
deitávamo-nos cedo ... para cedo erguer...
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O Despertar dos Mágicos ... para o último dia na Barra Mansa - 03.05.2024, 05h55
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E o último dia na
Barra Mansa ... não podia deixar de ser intenso e emocionante. Afinal ... também tenho
vocação para peão de boiadeiro ... e que pena tenho eu de não ter podido
trazer o "Chuvisco" comigo. Eu e ele demo-nos muito bem; tal como eu, ele não
gosta de ir atrás no grupo... 😛
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03.05.2024, 07h00 ... quando descobri a minha nova vocação: peão
de boiadeiro... 😃
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Depois, à chegada da "cavalgada heróica" ... fomos tomar banho na praia dos
jacarés... 🤪 ... e nas águas do
Rio Negro descobri que sou pele
vermelha... 😃
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Rio Negro, 03.05.2024, 10h20 ...
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onde descobri que sou pele vermelha...
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Depois, mais à tarde, neste último dia na
Barra Mansa, o que haveria de melhor que um safari ao pôr do Sol? E o que dizer do
Daniel e do Renato Rondon, da Vitória ... de todo aquele pessoal que nos
recebeu como família? Dizer apenas ... que a Vida é Bela! 💖
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Safari ... a caminho do último pôr-do-Sol ...
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Não vimos a onça pintada ... mas vimos as pegadas
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E o Sol punha-se sobre 4 dias e 5 noites inesquecíveis ... 03.05.2024,
17h25
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Durante aqueles dias não houve clientes, patrões ou empregados ...
houve amizade e união! Obrigado, amigos ... a Barra Mansa fica-nos no coração.
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De novo em 7 veículos 4x4 ... de novo pelas estradas sem estrada ... de novo
no ritual do
abre a porteira, fecha a porteira ... de novo levando
quase três horas para percorrer 40 km ... no sábado 4 de maio deixámos
a
Barra Mansa para trás ... e muitas memórias gravadas!
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04.05.2024, 10h25 - Junto a uma das porteiras, entre
a Barra Mansa e o Retirinho ... até assistimos ao passar da boiada!
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Fazenda Retirinho, 11h05 ... o Daniel ensina-nos o
ritual do tereré
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De
Aquidauana, onde almoçámos numa churrascaria de comida a peso,
seguiríamos para
Bonito, mais a sul e mais próximo da fronteira com o Paraguai. Continuávamos a
acompanhar a tragédia que se abateu sobre o Rio Grande do Sul e
particularmente sobre a cidade de
Porto Alegre. É inacreditável como a
uma distância que, àquela dimensão, é relativamente curta, há diferenças tão
abismais; continuávamos a ter o céu limpo e calor.
No Pantanal de
Bonito
... a epopeia dos 21 "pantaneiros" e "pantaneiras" portugueses passaria à
segunda fase...
(Escrito depois do regresso a Portugal, em 14 e 15.05.2024)
(Continua)
2 comentários:
Grande Callixto.
Viver e reviver com "uma lágrima no canto do olho". Obrigado (estamos ansiosos à espera de mais).
Carlos Marques
Que aventura mano Callixto 🤣
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