sexta-feira, 14 de abril de 2023

Primavera na Terra Santa

... ou um mergulho na história, nas religiões, povos e culturas...

A Vida conta e canta uma melodia a quatro estações; nessa melodia, como já referi diversas vezes, o ano de 2023 é um ano especial ... um ano de cinquentenários ... e até de septuagenários! Ora ... um ano especial merece comemorações especiais. Por isso, o rapaz pacato de há mais de meio século e a colega especial com que, na Primavera da Vida, o Universo o brindou, acabaram de chegar da maior viagem que alguma vez fizeram em conjunto. Maior em distância, mas também e principalmente em vivências ... uma viagem na história, uma amálgama de povos, raças, culturas, religiões...
Nas colinas de Jaffa, 06.Abr.2023,
08h05 - Panorâmica para Tel Aviv
Por um estranho desígnio do Universo, a colega especial com que aquele me brindou há muito que queria conhecer Petra ... a cidade rosa, esculpida na rocha, perdida no deserto da Jordânia, celebrizada pelas filmagens de um dos filmes da saga de Indiana Jones. Mas, a conhecer Petra ... claro que não iríamos apenas à procura do Santo Graal... 😂
De Tel Aviv à Galileia
Na tarde de 5 de Abril voávamos assim nas asas da TAP para Tel Aviv. Tínhamos aderido a uma proposta da "Pinto Lopes Viagens" para irmos conhecer a Terra Santa: Israel e Jordânia. Uma primeira noite em Tel Aviv seria o cartão de visita para um intenso programa de 8 dias, começando pelo litoral.

Cesareia do Mar, 06.Abril.2023, 10h05 - Ruínas romanas, de que se destaca o aqueduto
As primeiras impressões de Israel foram de um país moderno e desenvolvido. Tel Aviv tem largas avenidas e arranha céus altíssimos. E apesar da tensão permanente, não sentimos insegurança.
No autocarro da Keli Tours e com o guia israelita Dori Goren, a nossa digressão afastou-se do mar em Cesareia, rumo às terras bíblicas da Galileia. Começámos por dois locais ligados à vida de Jesus, Canaã (ou Caná) e Nazaré; nesta última, tivemos o primeiro contacto com a gastronomia israelita.

Igreja católica de Kafr Kanna, em homenagem ao
primeiro dos milagres de Jesus, a transformação da
água em vinho nas Bodas de Canaã (João 2:1-11)
Basílica da AnunciaçãoNazaré, 13h50. Considera-se a Anunciação o anúncio dado pelo Arcanjo Gabriel à Virgem Maria de que ela seria a mãe de Jesus (Lucas 1:26-38)
Pintura alusiva ao local de trabalho de José, carpinteiro
A Nazaré seguiu-se o Monte Tabor, no cume do qual (575m alt.), segundo os Evangelhos, terá ocorrido a transfiguração de Jesus Cristo, testemunhada por Pedro, Tiago e João. E do Monte Tabor desceríamos para Tiberíades e o Lago do mesmo nome, também chamado o Mar da Galileia.

Monte Tabor, 06.Abr.2023, 16h15 - Igreja da Transfiguração e panorâmicas do cume (575m alt.)
Altitude '0' ... o que quer dizer que lá em baixo, ao fundo, o Mar da Galileia (Lago Tiberíades)
está mais de 200 metros abaixo do nível do mar!
O primeiro pôr do Sol em Israel. Magdala, 18h45
À beira do Lago Tiberíades, ou Mar da Galileia, o excelente Hotel Magdala recebeu-nos nas duas noites seguintes ... e a sexta feira santa católica foi dedicada precisamente àquele mar, situado na grande falha do vale do Rio Jordão, que se inicia na Síria e se prolonga pelo Rift, até à África do Sul.

O Mar da Galileia (Lago Tiberíades), 07.Abril.2023, 08h10
Igreja das Bem-Aventuranças, entre Tabgha e Cafarnaum, à beira do Lago Tiberíades
Cafarnaum, nas margens do Mar da Galileia,
Seja-se o que se for ... sente-se
onde Pedro pescava nos tempos bíblicos.
algo nestes lugares...
E a bordo de um barco não muito diferente do de Pedro ... navegámos no Mar da Galileia ...
... e vivemos momentos emotivos a bordo, enquanto navegávamos!
Regresso a Genesaré, findo o cruzeiro no Mar da Galileia
A tarde desta sexta feira santa foi dedicada ao local de baptismo de Jesus no Rio Jordão, ou  melhor ... a um dos possíveis locais; dias depois visitaríamos outro. O Yardenit situa-se pouco após a saída do Jordão do Lago Tiberíades. É um local de rara beleza, a vegetação luxuriante acompanha as margens, onde crentes das mais diversas origens mergulham nas águas para receberem o baptismo.

Yardenit, o local do baptismo de Jesus por S. João Baptista, nas margens do Rio Jordão
De regresso ao Hotel, visitámos ainda as ruínas romanas de Magdala, a cidade de Maria Madalena. A maioria das escavações e dos achados arqueológicos surgiram aliás na construção do Hotel.

Ruínas de Magdala, junto ao Hotel que recebeu o nome da cidade romana
Algumas casas daquele tempo já tinham Mikvá privado
(em hebraico מִקְוָה), o banho ritual judaico!
Capela do Encontro

O 𝘋𝘶𝘤 𝘪𝘯 𝘢𝘭𝘵𝘶𝘮 celebra a vida pública de Jesus na Galileia
E o Mural na Capela que descreve o momento do encontro de Jesus com a mulher hemorrágica do Evangelho
Em Magdala terminávamos a primeira parte deste périplo pela Terra Santa. Sábado ... entrávamos na Jordânia ... depois de três horas na fronteira 😃. É normal, estávamos no Médio Oriente 🙄
Ao encontro da Jordânia ... e de Petra
Já não nos lembrávamos de fronteiras assim...! Passaportes, fazer vistos, malas no RX, mudança de autocarro ... e tudo lentinho lentinho 🤪. O autocarro israelita ficou em Israel ... depois um não sei de quem na "terra de ninguém" ... e finalmente o "nosso" autocarro jordano, depois das formalidades todas.
08.Abr., 9h45 - Na fronteira jordana ... sob o olhar atento do Rei Abdullah II ...
... e já com o nosso guia jordano, o simpático Almanzur
Pontos fortes do primeiro dia na Jordânia: as fabulosas ruínas romanas de Jerash e Amman, capital do Reino Hachemita da Jordânia (em árabe: المملكة الأردنية الهاشمية).

Ruínas da imponente cidade de Jerash, uma das cidades romanas mais bem preservadas do mundo.
E chegamos a Amman, capital onde se concentram 4 milhões de habitantes ... quase metade da população do país.
Panorâmica da Cidadela, o centro frenético da cidade e a grande Mesquita Azul do Rei Abdullah I
O dia seguinte ... era domingo de Páscoa. E o nosso domingo de Páscoa estava destinado a Petra ... a cidade rosa do império Nabateu ... uma das Sete Maravilhas do Mundo Moderno ... uma viagem de 26 séculos no tempo. Considerada lenda, apesar de os antigos relatos descreverem grandiosos monumentos esculpidos na rocha, Petra há muito chamava principalmente a minha pequena arraiana! Foi no Domingo de Páscoa deste ano especial de 2023! Ironias do destino ... desígnios do Tempo... 💖
Petra situa-se no sul da
Jordânia, quase a 230 km
de Amman e apenas a
120 km do extremo norte
do Golfo de Aqaba,
no Mar Vermelho.
09.Abr.2023 - Deserto da Jordânia ... aí vamos nós ... Petra ... aí vamos nós!
Pouco passava das 11h30 estávamos em Petra. Muito haveria para palmilhar a pé naquelas terras desérticas ... mas nós sabíamos que não estávamos num grupo de caminhadas nem de caminheiros. Éramos 20 ... 18 nada habituados a percursos a pé ... alguns ao fim de 1 ou 2 km já estavam a perguntar se voltávamos igualmente a pé... 😂

Petra, domingo de Páscoa, meio dia. 
Avançamos no Siq Canyon entre rochas rosadas
... e de repente...
Petra ... uma viagem de 26 séculos no tempo ... ou onde nos transfiguramos em Indiana Jones... 😀
E não ... não são nabateus ... infelizmente são multidões de turistas...
Petra não nos decepcionou, mas também não ultrapassou as nossas expectativas. A pressão turística é imensa, retirando parte da magia que ali certamente se sentiria. A célebre fachada de Al Khazneh - o tesouro, em árabe الخزنة - seria seguramente mais "sentida" e vivida sem as centenas de turistas que quase se acotovelam para fazer uma foto. O nome deriva de uma lenda beduína segundo a qual o templo contém o tesouro de um faraó ... ou será a Arca da Aliança ... ou o Santo Graal?...
Petra é todo um mundo de construções nas rochas rosadas do deserto jordano
A temperatura rondava os 32ºC ... mas se estivesse autónomo teria ainda subido ao Mosteiro de Ad Deir, a segunda construção mais icónica de Petra ... e teria seguramente percorrido outro(s) dos muitos trilhos existentes. É talvez a única crítica a fazer ao programa da "Pinto Lopes Viagens" a que aderimos; deveria ser dedicado um dia adicional a Petra, com alguma liberdade aos participantes, de entre as diversas opções possíveis ... incluindo o descanso e piscinas, para quem assim o quisesse.

O almoço foi num dos vários restaurantes que aguardam
os turistas no fim do Siq canyon; tínhamos feito menos
de 6 km a pé ... quando tanto mais havia a percorrer...
E acabámos o dia no original
Old Village Hotel Resort
Monte Nebo, 10.Abr.2023, 11h10 (em árabe: جبل نيبو; em hebraico: הַר נְבוֹ): mencionado na Bíblia,
de aqui Moisés viu a Terra Prometida e aqui morreu, sem chegar a entrar nessas terras, que viu ao longe.
E tal como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado, para que todo aquele que n'Ele crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (João 3:14-15)
Depois de Petra ... continuámos naquela encruzilhada de civilizações, religiões e épocas ... para terminarmos o nosso sexto dia quase 400 metros abaixo do nível do mar, no Mar Morto, o lugar mais baixo da Terra. Do Monte Nebo pudemos ver a Terra Prometida, mas avizinhava-se chuva e vento, que não nos permitiram testar os famosos banhos no Mar Morto, onde os corpos flutuam na água salgada.
Oliveiras milenares no Monte Nebo e vista para a depressão do vale do Jordão, 10.04, 11h15
Madaba, o núcleo Cristão mais importante da Jordânia, em
cuja Igreja Bizantina de S. Jorge se encontra o Mapa de Madaba
Descida para o Mar Morto, que contudo tem algumas subidas ... onde o autocarro sobe sozinho, sem intervenção humana!
Na margem esquerda do rio Jordão, ainda antes deste entrar no Mar Morto, visitámos o segundo local (e ao que consta o verdadeiro) onde Jesus terá sido baptizado por João Baptista. O Jordão faz aqui fronteira entre a Jordânia e Israel ... ou melhor, entre a Jordânia e a Cisjordânia, Estado da Palestina; a zona tem presença militar reforçada, mesmo do lado da Jordânia, onde estávamos.

Qasr el Yahud, local do baptismo de Jesus por João Baptista, no rio Jordão, visto da margem jordana.
Nas primeiras e última foto, o Mosteiro Grego Ortodoxo de S. João Baptista. Também conta a tradição que os judeus atravessaram o Jordão por aquele local (assim chamado el-Yahud, que quer dizer "dos judeus").
E a meio da tarde estávamos no Crown Plaza Dead Sea Resort & SPA, à beira do Mar Morto ... e a 400 metros abaixo do nível do mar. Uma autêntica tempestade de chuva e vento abateu-se sobre o local. Quando amainou ... apenas deu para molhar os pés na água ultra salgada do mar morto.

No Crown Plaza Dead Sea Resort & SPA, à beira do Mar Morto, antes, durante e depois da tempestade de chuva e vento ... e a 400 metros abaixo do nível do mar. Sair do Hotel? A não ser para a praia privativa ... não é permitido...
Regresso a Israel ... seguindo o Velho e o Novo Testamentos...
E ao 7º dia regressámos a Israel ... ou melhor, à Cisjordânia, Estado Palestiniano sob domínio israelita. A passagem da fronteira foi bem mais rápida do que a anterior ... apenas uma hora. Deixámos o nosso guia Almanzur e voltámos a ter o Dori por cicerone ... depois de voltarmos a mudar de autocarro ... e com direito a emoções fortes 😱: já no lado israelita, um fugitivo da Jordânia para Israel passou supersonicamente à nossa frente, com um militar a "galope" atrás dele; nisto, um deles deixou cair um objecto tipo charuto e com um led intermitente; o que é que se pensa logo?... 😱 Mas rapidamente outros guardas nos acalmaram e apanharam o objecto, que não sabemos o que era; o destino do fugitivo ... também não sabemos 🤔 Capturado deve ter sido certamente ... ou abatido...
Fronteira jordano / palestiniana, 11.Abr.2023, 08h30
A primeira visita do dia foi às colinas e grutas de Qumran, tornadas célebres pela descoberta dos Manuscritos do Mar Morto, nos anos 40 e 50 do século passado.

Região desértica de Qumran, na margem ocidental
do Mar Morto. Nestes arenitos e grutas foram encontrados
os Manuscritos do Mar Morto, compilados pelos Essénios,
judeus que viveram nestas terras do Séc. II a.C. até 70 d.C.
O Mar Morto e os céus quase se tocam, numa manhã a anunciar as chuvas que estavam nas previsões
Ainda junto à margem ocidental do Mar Morto, de Qumran passaríamos para Masada, ou Metsada, símbolo da resistência judaica ao invasor romano. No início da grande revolta contra Roma, no ano 68 a.C., o local foi conquistado por um grupo de zelotas e Masada tornou-se o seu último reduto.

Subimos ao Monte de Masada em teleférico, mas é possível subir pelo "trilho da serpente", até porque é estranho subir de teleférico ... para 33 metros de altitude; é que na base estávamos a mais de 300 metros abaixo do nível do mar...
Em 72 a.C., os romanos sitiaram Masada e conseguiram alcançar a fortaleza, depois de construir uma enorme rampa de terra no lado oeste; no ano 73, os 960 zelotas que viviam no topo de Masada optaram por cometer suicídio em vez de cair nas mãos dos romanos, numa saga de heroísmo e martírio.

Na Fortaleza de Masada, Património Mundial da UNESCO, símbolo da resistência judaica
Em Masada ... não estávamos sós...
O Mar Morto continuava debaixo de nuvens negras...
Último ponto antes de chegarmos à cidade santa de Jerusalém: Jericó, considerada a mais antiga cidade do Mundo, habitada há 11000 anos, e também a cidade mais baixa do planeta, a 270 metros abaixo do nível do mar. Depois de cruzarem o Jordão, terá sido para o povo de Israel a primeira cidade que encontraram na Terra Prometida, após os 40 anos no deserto, desde a fuga do Egipto.

Jericó, a cidade mais antiga do Mundo. Ao fundo, o Monte da
Tentação, onde Jesus terá sido tentado pelo Diabo (Mateus 4:8)
De Jericó ... subimos "das profundezas" para os 750 metros de altitude média do planalto em que se situa a capital de Isarel. E pouco depois das cinco da tarde de uma terça feira, 11 de Abril, do alto do Monte Scopus ... tínhamos JERUSALÉM aos pés! Logo ali ... senti que algo mexia cá dentro ... a começar pelo frio que se fazia sentir, em claro contraste com o calor do deserto da Judeia, de onde viéramos. À nossa chegada ... até os céus se abriram, contrariamente às previsões meteorológicas...
E às 17h10 do dia 11 de Abril do "ano especial" de 2023, do alto do Monte Scopus ...
estes dois Peregrinos da Vida avistaram pela primeira vez JERUSALÉM ! ☮️☯️
No dia seguinte, penúltimo do nosso programa, depois de uma breve passagem pelo Museu de Israel, as visitas começariam contudo pela Basílica da Natividade, em Belém, a pouco mais de 8 km de Jerusalém. Belém é Palestina ... o que levou a que mudássemos de guia; o Dori continuou connosco, mas o percurso em Belém foi guiado pela simpática Amal ... que significa esperança.
Belém, Basílica da Natividade, 12.Abr.2023, 11h10
Também só em Belém demos por isso ... que a Palestina tem inclusivamente uma hora diferente do resto de Israel, uma hora menos. A Palestina é um Estado de jure mas não de facto, encontrando-se a maioria das áreas ocupadas por Israel desde a Guerra dos Seis dias, em 1967.
A Basílica da Natividade foi construída sobre a gruta que a tradição Cristã marca como o local de nascimento de Jesus
Os muçulmanos consideram Jesus como sendo o segundo maior profeta islâmico, pelo que o local da natividade é considerado sagrado tanto para o cristianismo como para o islamismo.
E depois de um almoço em Belém ... tínhamos um dia e meio para a descoberta de JERUSALÉM... 
O deslumbramento de JERUSALÉM
Esta Primavera na Terra Santa, comemorando um ano especial de vários cinquentenários, nasceu muito pela vontade de conhecer a magia de Petra. Claro que os restantes locais que íamos visitar também eram um chamamento ... mas a Cidade Santa de JERUSALÉM, talvez até particularmente para mim, suplantou todas as expectativas. Jerusalém é uma cidade de um outro Mundo ... ou de uma fusão de mundos, povos, culturas, tradições e história ... muita história! Jerusalém é uma cidade mística e mágica ... à qual fiquei com (muita) vontade de regressar ... a pé ... em peregrinação!
Antes de continuar a ler ... o leitor faça o favor de clicar no link e de ouvir uma versão de "Yerushalayim Shel Zahav" (Jerusalém de Ouro, ירושלים של זהב); estava a ouvi-la quando escrevi estas linhas...
 
Muralhas de Jerusalém e Porta de Jaffa, 12.Abr.2023, 14h35 - Ia começar o deslumbramento...
Na mágica e mística Cidade Velha de Jerusalém, junto à Torre de David

Catedral Arménia de Jerusalém ...
ou Catedral de Santiago!
Túmulo onde
se encontra a cabeça de Santiago!

Conhecendo a história da decapitação do Apóstolo Santiago, a mando do Rei Herodes, e da trasladação do corpo para a Iberia - que no Séc. IX daria origem ao início das peregrinações jacobeias - desconhecia totalmente que a cabeça do Apóstolo se encontra guardada na cidade onde foi mártir ... Jerusalém. O seu túmulo no Convento Arménio, ou Catedral Arménia de Jerusalém, foi assim um dos primeiros "choques" que me prenderam àquela cidade santa.
A caminho do Muro das Lamentações
O Muro das Lamentações é o único vestígio do segundo Templo de Jerusalém, destruído pelo general Tito, que depois se tornaria imperador romano, no ano 70 d.C.. Mais de dois mil anos depois, o Muro continua a ser um lugar sagrado para os judeus, que chegam de todas as partes do mundo para pedir a chegada do Messias, o retorno dos exilados, a reconstrução do Templo, entre outros pedidos.

O que se pode fotografar da "esplanada" do Muro das Lamentações, 12.Abr.2023, 17h15
Nas duas primeiras fotos, destaca-se também a cúpula dourada da Mesquita de Umar, ou Domo da Rocha,
visível de vários outros locais e um dos ícones da Cidade Santa
Do Muro das Lamentações propriamente dito não há legendas nem fotos, primeiro porque não é permitido fotografar nem filmar ... segundo porque não seria possível legendar tamanho choque de sensações. O que ali testemunhei é diferente de tudo o que já vi e de tudo o que imaginava! O que ali vi, ouvi e senti são sons e imagens guardadas para sempre no chip das vivências inesquecíveis! O que ali vi, ouvi e senti ... é um outro Mundo! E embora os turistas possam entrar naquele outro Mundo ... a maioria das muitas centenas de pessoas que ali vi não eram turistas, eram crentes em oração...
Homens e mulheres não entram juntos no Muro das Lamentações. Existem áreas reservadas para cada sexo. Os homens cantam salmos em voz alta, formam coros e balançam a cabeça freneticamente em frente ao muro. Há estantes com exemplares da Torá - o livro sagrado do judaísmo - para que todos os que queiram possam rezar, além de cadeiras para se sentarem em frente ao muro. Mas rezar e cantar salmos não descreve o que ali vi, ouvi e senti; o único termo que me ocorre é o termo "transe", um transe que os fará estar ... em comunicação com Deus? Desde 2013, as mulheres também podem orar em voz alta e utilizar os mesmo símbolos religiosos que os homens. Mas relataram as mulheres do nosso grupo que o sector feminino era mais ... calmo, será o termo certo?
Outra tradição do Muro das Lamentações é escrever as preces num papelinho que se encaixa por entre as pedras do Muro. Quando um pedaço de papel toca no Muro, transforma-se em objeto sagrado e não pode ser destruído. Duas vezes por ano, os papeis são retirados e enterrados no Monte das Oliveiras.

Refeitos das sensações do Muro ... o bairro muçulmano de Jerusalém é todo um mundo de cores, sons e cheiros...
12.Abr.2023, 18h35 - Porta de Damasco, no limite oeste do bairro muçulmano de Jerusalém
O último dia da nossa Primavera na Terra Santa mais pareceu um dia de Inverno. A previsão de chuva que não se tinha concretizado na véspera ... veio em força naquela quinta feira, 13 de Abril. Chuva ... e bastante frio e vento, o que misturados nos impediu de descer a pé do Monte das Oliveiras para os jardins de Gethsemani. Mas de resto cumprimos o programa integralmente; e se na véspera me emocionara e me questionara no Muro das Lamentações ... neste dia emocionei-me repetidamente em locais tão inesperados como a Igreja de Santa Ana ou a Igreja Etíope ... ou nos locais onde a História, a lenda e a fé se cruzam e se misturam ... como se cruzam e misturam povos, raças, culturas, religiões...

13.Abr.2023, 09h05 - No Monte das Oliveiras, com Jerusalém aos nossos pés
Nos jardins de Gethsemani Jesus e seus discípulos oraram na noite anterior à crucificação. De acordo com o Evangelho segundo Lucas, a angústia de Jesus no Gethsemani foi tão profunda que "seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue, que corriam até ao chão" (Lucas 22:44).

Jardins de Gethsemani e Basílica da Agonia, onde se encontra a
rocha sobre a qual Jesus, em agonia, terá suado sangue
Igreja de Gethsemani e a gruta onde os Apóstolos
terão esperado Jesus enquanto Ele orava
Igreja de Santa Ana
O que aqui assistimos ...
religiões, crenças,
transcende fronteiras,
povos e culturas...
Rostos ... talvez atónitos ... mas rostos de esperança
... de Amor ... de Amor pelo próximo e pela Vida!
Ali, na Igreja de Santa Ana, um grupo de católicos nigerianos cantou o que a sua Fé os moveu a cantar e a vibrar. Sem palavras...! Aquele a que espontaneamente me abracei ... voltaria a encontrá-lo à tarde, no bairro muçulmano. Reconheceu-me! Entretanto, lá fora ... a chuva continuava a cair...
A chuva alimenta as cisternas da Cidade Velha, como a velha Lithostrotos, ou Gabbatha, nome
aramaico referido nos evangelhos como o local do julgamento de Jesus antes da crucificação.
Estávamos a seguir a Via Dolorosa ... o percurso de Jesus a caminho do Calvário...
E chegamos à Igreja do Santo Sepulcro. O que aqui traz multidões ... vindas da Nigéria ... da Etiópia ... da Arménia ... dos quatro cantos do Mundo? E a grande maioria não são turistas a visitar "lugares famosos", vazios de sentido e de sentimento ... a grande maioria são crentes ... crentes em algo superior a todos ... em algo que os chamou e conduziu aqui!

A Basílica do Santo Sepulcro engloba os locais onde, segundo a tradição, Jesus teria sido crucificado, sepultado e, ao terceiro dia, teria ressuscitado (João 19:41-42). A imagem que normalmente se tem (em muito transmitida pelo cinema) - a imagem que pessoalmente eu tinha - de um Calvário no cimo de um alto monte, de uma tumba numa gruta "perdida" num ermo ... só poderão ter tido algum fundo de verdade no tempo mesmo de Cristo. Logo no Séc. II o imperador Constantino manda edificar um Santuário apropriado, onde já antes Adriano tinha mandado erigir um Templo dedicado a Vénus.
No ano 638, Jerusalém e toda a Palestina passa para mãos muçulmanas. Quase 400 anos depois, um califa fatímida ordena a destruição de todas as Igrejas. Somente os pilares do Santo Sepulcro resistem à destruição. A notícia da sua destruição foi um dos factores que estiveram na origem das Cruzadas.
O Altar da Crucificação de Jesus no Calvário, ou Gólgota, do aramaico 'Gûlgaltâ', que significa literalmente "o lugar da caveira".
Pedra tumular onde terá sido deitado
o corpo de Jesus Cristo após a morte na Cruz
Igreja Etíope de Jerusalém. O leão sobre a porta é o
etíopes descendem da rainha
símbolo da comunidade, que ensina que os cristãos
de Sabá e do Rei Salomão.
Mas o filme vivo que estávamos a Viver aproximava-se do fim. Ainda entrámos na Igreja Luterana do Redentor ... ainda voltámos a deambular pelo mundo frenético do bairro muçulmano ... e como que por milagre a chuva tinha parado e os céus abriram alguma claridade. O nosso guia e amigo Dori levou-nos, para despedida ... aos telhados das construções das estreitas ruas pujantes de vida ... e foi de lá que tivemos as últimas luzes, os últimos olhares sobre esta cidade frenética que é JERUSALÉM.

JERUSALÉM dos telhados da Cidade Velha, entre a Porta de Jaffa e o Muro das Lamentações, 13.Abr.2023, 17h40
Um adeus às muralhas da Old City, junto à Porta de Jaffa, 18h00
Foi sem dúvida emotiva, a despedida de Jerusalém ... uma cidade que me espantou ... um Mundo que engloba Mundos!
Às 6 da manhã do dia 14 estávamos a voar de regresso a Portugal. Mas ainda antes, e para completa surpresa ... tivemos direito aos nossos "Certificados de Peregrino de Jerusalém"! Agora, mais do que nunca, tenho de lá voltar ... e a próxima vez será a pé...🙏
Pode ser que seja a prenda a dar-me a mim próprio quando fizer 100 anos ... pode ser em Sonhos ... ou então noutra reencarnação... ♾️
Quem sabe se não o terei percorrido já... 🤔
Obrigado Universo que ali nos levou! Ultreïa!🙏
Agora que regressei da Terra Santa e que até trouxe um "Certificado de Peregrino" ... nasceu em mim mais um Sonho: percorrer o Caminho de Jerusalém a pé, a rota de peregrinação mais longa do mundo!...💝

(Clique no mapa para ver o álbum completo de fotos deste périplo)
No final desta crónica é justo um agradecimento, não só à minha "colega especial", com a qual celebramos meio século de Vida em comum, mas também aos restantes 17 elementos do grupo, que não conhecíamos, bem como aos nossos guias locais Dori (Israel), Almanzur (Jordânia) e Amal (Belém, Palestina), aos motoristas dos autocarros em Israel e na Jordânia e, claro, ao guia "Pinto Lopes" que nos acompanhou em permanência desde Lisboa. O Daniel Cacela, para além de guia, foi um amigo e uma excelente mais valia nesta viagem, pela sua muita cultura e, principalmente, pela sua paixão pelo que faz e como o faz.
Bem haja, Daniel! Um abraço a todos!
(Escrito entre 15 e 18 de Abril, depois do regresso a casa)

1 comentário:

Anónimo disse...

Tão bonito! Bela viagem para vocês e bela leitura para nós que viajamos convosco!