sábado, 11 de julho de 2020

Rota de Santa Quitéria de Meca

... ou um vulcão e uma santa decapitada ... numa Meca às portas de Lisboa

 
"Um vulcão do tempo dos dinossauros, a devoção a uma santa que, decapitada, caminhou com a cabeça nas mãos, filas de gado a dar voltas em torno de um cruzeiro e uma Meca na Ibéria... cantadores dos Reis que pintam as paredes de cada casa onde param, e belas paisagens, claro. Tudo isto... às portas de Lisboa."             (Henrique Feliciano Silva - Wikiloc)
Assim faz o meu amigo Henrique a sua apresentação no Wikiloc ao PR5 de Alenquer, a chamada Rota de Santa Quitéria, na freguesia de Meca, daquele concelho. Foi precisamente esta Meca Ibérica que escolhemos
Basílica de Santa Quitéria,
Meca, 11.07.2020, 8h10
para um reencontro de amigos e "irmãos de campo" (e de coração), depois da longa noite escura e bretemosa a que a Covid nos remeteu ... e que ainda não terminou; alguns amigos e "manos" ... não os via desde Dezembro!
De acordo com as regras e recomendações da DGS, fora da área metropolitana de Lisboa é possível reunir até um máximo de 20 pessoas ... e escolhemos uma caminhada propositadamente acessível à minha "estrelita" arraiana. Com encontro marcado para as oito da manhã, 12 candidatos ... rumaram a Meca. Sobranceira ao Rio de Alenquer e ainda nas faldas sul da Serra de Montejunto, Meca é uma vila de toponímia pouco explicada, embora seguramente de origem árabe. É uma zona marcadamente agrícola, alternando as zonas de vinha e de pomares.
Para além da Basílica, dedicada a Santa Quitéria, o principal motivo de atracção é o que resta do chamado "vulcão de Meca", uma chaminé integrada no Complexo Vulcânico de Lisboa, estrutura com cerca de 72 milhões de anos.
Iniciámos a caminhada no estacionamento pouco abaixo da Basílica, começando desde logo a subida para Catém e contornando a encosta poente do vulcão.
Meca, vista já da subida para Catém
Quase todas as casas da freguesia e até do concelho têm inscrições alusivas à tradição de cantar e pintar os Reis, na noite de 5 para 6 de Janeiro de cada ano. Quem pinta vai à frente, depois segue quem canta. Os moradores apresentam mesas de iguarias natalícias.
Textos e símbolos da tradição dos Reis, pintadas
na noite de 5 para 6 de Janeiro de cada ano.
Desenham-se vasos e corações floridos, a vermelho e azul,
a inscrição "Bons Reis" e a sigla "V.R." (Viva a República)
Campos a poente do vulcão de Meca, entre Catém e Bogarréus. Ao fundo, a Serra de Montejunto.
Sempre com a Serra de Montejunto no horizonte, a norte, a chaminé vulcânica de Santa Quitéria já se via ... bem lá no alto. A subida para Bogarréus foi um pouco penosa para a minha estrelita, até porque o calor começava a apertar. Umas boas sombras, um café (para ela) ... e um branco fresquinho (para vários dos restantes) ... recarregaram energias. Mesmo assim, optei por seguir com ela directo para Canados e S. Brás, enquanto o resto do grupo seguiu o PR5, descendo o Vale Mourisco e subindo depois a encosta nordeste do vulcão. Reencontrámo-nos pouco depois de S. Brás.
À entrada e na aldeia de Bogarréus ...
o descanso da guerreira... 😊
Chaminé vulcânica de Santa Quitéria de Meca, vista de Canados
Escórias vulcânicas, na encosta nordeste da chaminé vulcânica
A subida ao topo do vulcão fizemo-la pelo lado norte. A paisagem em redor começava a alargar os horizontes. As primeiras referências datam da segunda metade do século XVIII, quando esta estrutura geológica passou a integrar as Cartas Geológicas de Portugal; o primeiro levantamento foi realizado por Paul Choffat (1849-1919). As profundas alterações resultantes da erosão e da exploração de basaltos levaram ao colapso da chaminé e ao surgimento do lençol freático, transformando assim a cratera numa lagoa de águas límpidas ... a lembrar as lagoas açoreanas.

Lagoa de Meca, que ocupa a antiga cratera da chaminé vulcânica de Santa Quitéria
E do vulcão ... descemos a S. Brás e a Meca. Parte do grupo, seguindo o PR5, ainda foi a Casal Monteiro ... quatro descemos directos à Basílica de Santa Quitéria. Quitéria terá nascido no ano de 120, sendo uma das nove filhas nascidas de parto único da mulher do governador romano.
Nove filhas num só parto?! Superstições, vergonha e medos terão levado a parteira a receber ordem de as afogar. Mas ela, piedosa e Cristã, entregou as meninas ao arcebispo de Braga, Santo Ovídio, que as baptizou e entregou a diversas famílias cristãs. Anos mais tarde, o pai, tomando conhecimento da existência delas e estando comprometido com um cortesão de nome Germano, decidiu que com ele a filha se casaria.
Regresso a Meca, 12h10
Mas ela recusou e fugiu, vindo a ser encontrada em Aire-sur-l'Adour, em França. Condenada à morte, foi executada pelo ofendido Germano, com apenas 15 anos. Mas ... os soldados que a prenderam ficaram cegos; e Quitéria, após ter a cabeça decepada, tomou-a nas suas mãos e caminhou até à cidade vizinha, onde caiu e foi sepultada. Muitos séculos depois, em 1238 terá aparecido uma imagem de Santa Quitéria na Quinta de S. Brás, construindo-se uma pequena Ermida no local em que hoje se situa a Basílica, construída no reinado de D. Maria I. Hoje, a romaria de Santa Quitéria de Meca é, para a população do alto concelho, o acontecimento mais importante dos festejos anuais destas terras. A procissão, a bênção do gado e o grande arraial são os componentes obrigatórios e constantes desta antiga festividade, no domingo seguinte a 22 de Maio, dia de Santa Quitéria.
Ao meio dia e um quarto estávamos de regresso ao ponto de origem. A Basílica estava infelizmente fechada. Em frente, há também um monumento singelo em homenagem aos trabalhadores rurais da freguesia.
Monumento ao trabalhador rural, Meca
Meca, 13h05 - No fim da caminhada ... um merecido almoço de grupo (Foto: Fernando Damil)
E assim terminou esta bela primeira actividade ... um pouco menos confinada. O meu lema é e continuará a ser, sempre dentro das normas superiormente emanadas ... a precaução dentro do bom senso, da responsabilidade e do respeito pela sensibilidade dos outros. Obrigado a todos os que fizeram deste sábado ... a "festa" possível que ele foi.
Clique para ampliar e à direita para ver no Wikiloc

Sem comentários: