No último cerca de ano e meio, percorrer os
Caminhos do Tejo, o
Caminho Central Português de Santarém a Ansião, os
Caminhos Nascente e Poente, em datas diversas, proporcionou-nos a mim e à minha "mana" Paula a criação de um grupo de amigos destas rotas ligadas aos Caminhos de Fátima e de Santiago.
|
Estação CP de Abrantes, 27.Jul.2019, 8h25 (Foto: Luís Martins) |
Nem sempre com os mesmos elementos, mas quando em Março passado fomos de Tomar à Nazaré - nos
Caminhos da Finisterra portuguesa - logo ficou em agenda percorrermos o
Caminho Sudeste, mais um dos tantos Caminhos de Peregrinação abertos e marcados pela
Associação de Amigos dos Caminhos de Fátima. Trata-se de um percurso maioritariamente ao longo de caminhos rurais, com início em
Abrantes e passando por
Constância, cujo troço final, desde o
Outeiro das Matas, coincide com o
Caminho Nascente.
Com 3 elementos a madrugarem desde Lisboa e a "mana" Paula a entrar em Santarém, antes das 8 e meia da manhã de sábado estávamos a sair do comboio na estação de
Abrantes, que na realidade é no
Rossio ao Sul do Tejo.
Num dia de verão que mais parecia de outono, debaixo de chuva miudinha, a nossa peregrinação começou, portanto, por atravessar o
Tejo. Todo o Caminho está excelentemente marcado com as setas azuis de
Fátima, acompanhadas por vezes com
|
Ermida de S. Lourenço, |
o tradicional voto Santiagueiro de "Bom Caminho". Passámos à porta da
Pousada de Juventude de Abrantes, onde em Setembro de 2015 fiquei com os
Novos Trilhos na descida
de Belver à Praia do Ribatejo, que marcou o início de uma ligação entre dois irmãos que se viria a consolidar ao longo da preparação para o
Caminho Francês. Aliás, entre Abrantes e Constância ... a Paula lembrar-se-ia que parte deste Caminho Sudeste coincidiu com aquela memorável descida do Tejo.
|
Travessia da Ribeira de Abrançalha ... |
|
... e da Ribeira da Pucariça, |
|
próximo de Rio de Moinhos |
À uma da tarde estávamos a entrar na sempre bela
Constância, a vila poema, ali onde o
Zêzere abraça o
Tejo. O Sol espreitava timidamente, mas a chuva já se tinha afastado. Almoçámos debruçados sobre o Zêzere. A quantidade de gente que por ali passava o sábado era significativa, apesar das feições meteorológicas pouco convidativas.
|
Em Constância, a vila poema, sobre o Zêzere |
|
E assim atravessamos o Zêzere para poente
(Fotos: Luís Martins) |
Continuando a seguir as setas azuis, depois de
Constância faltavam-nos cerca de 16 km para
Vila Nova, destino da primeira etapa. Agora em direcção noroeste, próximo de
Grou cruzámos o Caminho Central Português de Santiago, no troço
entre a Golegã e Tomar que 3 dos 4 elementos deste fim de semana tínhamos percorrido em Setembro
|
Caminho Central
Português de Santiago,
próximo de Grou ...
mas o nosso Caminho
agora era o de Fátima |
|
Na tarde de sábado, ainda caminhamos 4 Peregrinos... (Foto: Luís Martins) |
A tarde estava bem mais fresca que a tarde tórrida de Setembro passado. Mesmo assim, contingências do destino e dos Caminhos, a nossa Madalena acusava já o desgaste dos quilómetros percorridos. Pouco antes de
Peralva e a cerca de 6 km do final da etapa ... sentiu-se incapaz de continuar. E é nestas alturas que vem ao de cima o espírito solidário não só do grupo como de quem de algum modo está ligado aos Caminhos. O Luís contactou de imediato um responsável pela
Sociedade Instrutiva Recreativa e Desportiva Vilanovense, a associação que gere o Albergue de Vila Nova. O Sr. Mário Lopes dispôs-se de imediato a ir buscar a Madalena ... e ainda eu e o Luís não tínhamos chegado a Peralva já ele vinha de jeep pelos caminhos ao nosso encontro. E a Madalena lá foi.
|
Albergue de Vila Nova, na antiga Escola Primária da aldeia |
Às 18h30, com 36 km percorridos, estávamos nós três a chegar a
Vila Nova. A Madalena já tinha descansado e tomado banho ... e ainda a ponderar o que faria no dia seguinte. Quanto ao Albergue ... óptimas instalações, uma adaptação da antiga Escola Primária para alojamento de peregrinos, um exemplo do que poderia e deveria ser feito em tantas outras escolas, casas florestais, de cantoneiros e outras. A
Sociedade Instrutiva Recreativa e Desportiva Vilanovense, em conjunto com a
Associação de Amigos dos Caminhos de Fátima, que conseguiu as camas, estão sem dúvida de parabéns, não sendo demais realçar aqui toda a amabilidade, cordialidade e disponibilidade demonstradas, num claro e bem patente espírito peregrino e de apoio aos peregrinos. Bem hajam!
|
Entre Soudos e Vila do Paço, 28.Jul.2019, 7h30 ... um novo dia tinha nascido |
O Domingo acordou mais risonho, com o Sol a iluminar os céus. A temperatura subiria, pelo que às sete da manhã estávamos a partir de
Vila Nova. Só três; a Madalena preferiu não abusar, até porque além da indisposição da véspera havia também um joelho a queixar-se. Assim ... chegou a
Fátima mais cedo do que nós, de táxi desde o Albergue/Escola. Nós, começávamos a ver a oeste a serrania que tínhamos pela frente, numa etapa com menos 11 km mas com bastante mais altimetria.
|
Avançando para noroeste, seguindo as setas. Aldeias, caminhos rurais, serra ... Natureza! |
Outeiro Pequeno,
Carvalhal do Pombo,
Rexaldia ... topónimos que se sucediam. A meio da manhã perguntámos por um café, indicaram-nos o Bar do
Centro Cultural e Recreativo de Rexaldia ... uma excelente referência de simpatia ... e de bons pastéis de nata. Quase sempre por belos caminhos rurais e em gradual ascensão, antes das dez e meia estávamos no
Outeiro das Matas. A 10 km do destino, tínhamos acabado de entrar no Caminho Nascente, Tomar - Fátima.
|
Alveijar: é para a esquerda ou para a direita?... |
A partir dali era terreno conhecido. Tal como
em Março, parámos para um pequeno reforço na
Tasca de São Bernardo, que nada mais é do que um simpático recantozinho na aldeia, com assador, balcão e bancos, onde a população se reúne nas festas de São Bernardo, padroeiro do lugar. E em
Alveijar, também tal como em Março, lá demos de novo de caras com o insólito das setas em sentidos opostos,
obra insólita do Turismo de Portugal, a adulterar o trabalho voluntário de peregrinos, na "famosa" invenção da suposta "
Rota das Carmelitas" ... que nunca existiu.
|
No horizonte, a norte, o Castelo de Ourém |
|
Ao meio dia e meia hora estávamos em Fátima, na "rotunda dos pastorinhos" |
|
Fátima, 12h40, com 61 km percorridos desde Abrantes |
Dez minutos depois chegávamos ao
Santuário. Tínhamos percorrido mais um
Caminho. Encontrámo-nos com a Madalena junto à Capelinha das Aparições. Um mundo de gente circulava por todo aquele espaço. A massificação retira muito do que se possa sentir ao chegar. Fátima não é Santiago. Mas foi um belo fim de semana de Amizade, de convívio, de caminhar / peregrinar ... até porque...
Caminhar é encontrar-me comigo ... abrir um espaço para escutar o meu coração.
Mas, e os antigos sabiam-no, peregrinar exige tempo e determinação.
É preciso deixar que o corpo doa até deixar de doer...
É preciso recolhimento. E sinceridade. Largar o ruído do mundo...
Caminhar até que o destino perca toda a relevância.
Não é por acaso que, ao longo dos tempos, todas as religiões e filosofias aplicadas reservam um lugar especial à peregrinação. Como o reservam ao jejum. A renúncia e a entrega, dois exercícios tão difíceis quanto preciosos, que conduzem à percepção do essencial.
Gosto de peregrinar...
(Paula Moura Pinheiro, jornalista, in "Peregrinação", de Leonor Xavier)