À semelhança do ano passado por esta mesma altura, participei neste belo fim de semana de inverno na
IX Marcha Nacional de Montanha,
organizada pelo
Grupo de Montanhismo de Vila Real e integrada no Calendário anual da
FPME (Federação Portuguesa de Montanhismo e Escalada). Juntamente com o meu "mano" e "cunhada" tripeiros, representei pela segunda vez o
Clube de Montanhismo da Guarda, o Clube de Montanhismo do meu distrito adoptivo.
A Marcha deste ano tinha para mim o atractivo suplementar de me levar à
Serra do Alvão ... 20 anos depois. Efectivamente, o Alvão foi várias vezes destino das minhas "aventuras" com alunos,
entre 1994 e 1999 ... nos tempos áureos em que o Ensino era Ensino. Entre tantos outros testemunhos, jamais esquecerei a expressão de uma minha aluna de então, no regresso de uma dessas "aventuras":
“Estes foram, sem dúvida ... os melhores dias da minha vida ! ” |
A concentração foi sábado bem cedo, junto à capelinha do
Fojo, próximo das
Fisgas de Ermelo, onde embarcámos em autocarro da organização. A maioria tínhamo-nos reunido na véspera em
Mondim de Basto, onde o acolhedor
Hostel Carvalho foi a nossa base logística. Entre os participantes ... estava também a minha "mana" Cristina, com a qual aliás fui de Lisboa; e às 8h00 dávamos início à travessia, na velha e "perdida" aldeia de
Lamas de Olo.
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Lamas de Olo, 26.Janeiro.2019 - E |
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começou a IX Marcha Nacional de Montanha ... |
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... através de um mundo gelado |
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Dornelas, 9h00 - Relíquias que |
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se perderam num tempo sem Tempo... |
O
percurso desta
IX Marcha Nacional de Montanha rumou inicialmente a norte. Passada a aldeia de
Dornelas, subimos ao planalto das Gevancas, com o Sol a brilhar numa atmosfera muito límpida, começando a aquecer os campos e as almas. Às dez horas estávamos já acima dos 1100 metros de altitude, nas Bouças do
Rio Cabrão. Ao fundo, a noroeste, já víamos o nosso destino final destes dois dias de marcha, o icónico
Monte Farinha, com o seu
Santuário de Nossa Senhora da Graça.
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Por trilhos e belezas do Alvão, subimos ao planalto das Gevancas |
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Cruzamos o ainda jovem Rio Cabrão |
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E sobre as aldeias de Covelo e Macieira, já vemos ao fundo o Monte Farinha |
Agora descemos. Já próximos de
Macieira, o rumo inflecte repentinamente para sudoeste e cruzamos a estrada Macieira -
Bobal, onde nos aguardava uma bem vinda feijoada, com mais carne do que feijão ... e que deve ter reposto mais calorias do que as que perdêramos... 😋
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Descida para Macieira e Bobal ... |
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... por trilhos de tojo |
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e de beleza |
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Campos de Bobal ... |
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... com o Monte Farinha mais perto |
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Bobal: esperava-nos um lauto e saboroso almoço |
Depois do almoço, a Marcha continuou para sul, rumo ao Rio
Olo e às aldeias de
Pioledo e
Varzigueto. O Monte Farinha periodicamente aparecia-nos, vigilante, como farol que nos guiava o caminho. Mas antes do final da primeira etapa, ainda iríamos deslumbrar-nos naquele que é talvez o principal
ex-libris natural da Serra do Alvão: as
Fisgas de Ermelo.
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De Bobal para Pioledo (que nesta última foto temos já atrás de nós), rumo ao vale do Olo |
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E descendo dos montes, aproximamo-nos da aldeia de Varzigueto, junto ao Rio Olo |
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Aproximamo-nos da grande garganta do Rio Olo |
O
Rio Olo é conhecido pelas suas águas frias e límpidas. Afluente do
Tâmega, no qual desagua próximo de Amarante, ligeiramente a nordeste da aldeia de Ermelo o Olo precipita-se de uma grande barreira de quartzitos que separam as zonas graníticas das zonas xistosas envolventes. As
Fisgas de Ermelo apresentam assim cerca de 200 metros de desnível, escavados ao longo de milénios pelas águas perseverantes do Olo. As cascatas fazem parte de um percurso de pequena rota -
PR3 - do município de Mondim de Basto.
Também as
Fisgas de Ermelo me trouxeram memórias vivas das excursões com alunos ... no século passado. Tal como então, por ali nos detivemos a admirar a grandeza daquela obra natural, ante a diminuta dimensão do que nós somos. As lajes debruçadas sobre a imensa garganta do Olo conhecem seguramente diversas gerações de amantes da Natureza.
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E assim chegamos e nos extasiamos perante a imponência das Fisgas de Ermelo |
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Capela da Senhora do Fojo, 17h05 - Estava terminada a primeira etapa da travessia da Serra do Marão |
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Foto de família, no jantar da FPME ... porque os
amigos chegados também são família! |
A capela da Senhora do Fojo, ou de S. José do Fojo, do sec. XVIII, marcou a escala entre as duas etapas desta travessia de montanha. Sábado regressámos a
Mondim de Basto para o jantar convívio de todos os participantes, com a entrega dos troféus aos representantes dos Clubes. E domingo retomaríamos a marcha no mesmo local, rumo à aldeia de
Covas e ao vale do
Rio Cabrão. Uma segunda etapa necessariamente mais curta, mas que desde logo se revelou igualmente bela. Por entre bosques luxuriantes e as águas correntes, dir-se-ia que atravessávamos o reino da fantasia, um reino de fadas e duendes, mas uma fantasia felizmente bem real.
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No reino de uma fantasia bem real,
próximo da aldeia de Covas, no vale do Rio Cabrão |
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Açude das Mestras, onde o Rio Cabrão se precipita no Rio Cabril |
Entre o
açude das Mestras e as aldeias de
Vilar de Ferreiros,
Vilarinho e
Bezerral, a magia continuou, por entre sombras e sons, com o "nosso"
Monte Farinha a mostrar-se, como que a dizer "
eu estou aqui ... venham ... subam". E o grupo avançava ao seu encontro.
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Entre a Açude das Mestras e Vilar de Ferreiros |
Pouco antes do meio dia, na aldeia de
Bezerral, iniciámos o ataque ao
Monte Farinha, pela vertente nascente. Quase 500 metros de desnível em pouco mais de 4 km. Aos poucos íamos emergindo do vale. O
Monte Farinha é um enorme cone que se eleva a 942 metros de altitude, a WNW de Mondim de Basto e complementado pelo alto de
Palhaços, 25 metros mais abaixo.
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O rumo agora era para poente e para cima ... |
Será altura de nos debruçarmos sobre este curioso topónimo...
Era uma vez um pobre moleiro que ganhava a vida recebendo sacos de milho, que trocava por farinha do seu moinho. Um dia, encontrou uma senhora que caminhava a pé, sob um sol escaldante, e parou, compadecido, para a levar na sua carroça. Ela aceitou a boleia, mas os mouros vieram ao seu encontro para lhe roubar a farinha e o grão. Para lhes tentar escapar, o moleiro chicoteou o burro, mas o animal meteu uma pata entre dois grandes calhaus e não conseguiu libertar-se; os mouros chegaram e mataram-no. Sem saber o que fazer, a senhora saltou da carroça para cima de uma pedra alta e gritou: "– Abre-te, pedra! Faz-me esta graça!". E a pedra abriu-se, deixou entrar a senhora e voltou a fechar-se rapidamente. Ao verem aquele espantoso fenómeno, os mouros deixaram a farinha e o grão e fugiram rapidamente, mas o moinho, desgovernado, continuava a moer. Moeu, moeu, moeu ... até que se formou um monte muito alto de farinha ... o Monte Farinha.
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E, subindo sempre, deixamos os vales cada vez mais abaixo de nós ... |
Conta-se que a senhora da lenda lá continua escondida na
Pedra Alta, com medo dos mouros. Nós não estávamos com medo dos mouros ... mas deu-se um episódio que se revestiu de algum misticismo.
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Quase no cume do Monte Farinha ... algo me chamava velozmente |
O Presidente da Federação, que orientava a Marcha, deu liberdade a quem quisesse para subirmos o trilho ao ritmo que quiséssemos, até ao patamar entre a
Senhora da Graça e o alto de
Palhaços. Uma meia dúzia, em que me incluí, subimos assim aquele troço em boa velocidade. Sem que nada o fizesse prever, parecia que algo me chamava. Ao chegar, vejo uma pedra altaneira encimada por uma imagem ... e dou de caras com o Apóstolo
Santiago!
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Como que à minha espera, quase no cume |
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do Monte Farinha ... estava Santiago |
Vim a saber que
Santiago é venerado no Monte Farinha, no seu dia, 25 de Julho. Tudo indica que a romaria de Santiago que ali tem lugar surgiu por ficar na rota dos Peregrinos provenientes do Santuário de Panoias, que rumavam a Compostela ... por
Lamas de Olo ... cujo orago é Santiago!
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Refeito do encontro com Santiago, restava subir o último
troço, até ao Santuário da Senhora da Graça |
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Santuário da Senhora da Graça, no cume do Monte Farinha (942m alt.) |
No cume do
Monte Farinha, onde terá existido um templo castrejo, situa-se o
Santuário da Senhora da Graça, que tínhamos visto de tanto sítio ao longo da Marcha. A estrutura actual, construída em granito da região, data de 1775. Enche-se de fiéis e de visitantes no primeiro domingo de Setembro, além das festividades já referidas no dia de Santiago. Pouco depois da uma da tarde ... ali terminámos esta
IX Marcha Nacional de Montanha, com um panorama pleno de paz de espírito e tradição.
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Cume do Monte Farinha e panorâmica para poente, com Mondim de Basto aos pés |
O autocarro da organização levou-nos de regresso ao Fojo, onde tinham ficado os carros. Depois ... depois seria o regresso ... o regresso de um belo fim de semana, em que a meteorologia esteve francamente do nosso lado, permitindo embrenhar-nos de alma e coração na Natureza agreste da
Serra do Alvão. O meu regresso àquelas terras, 20 anos depois, foi sem dúvida um excelente recordar de velhas memórias. Ficam os parabéns ao
Grupo de Montanhismo de Vila Real, à
FPME ... e a todos.
1 comentário:
Um local que pretendo descobrir. Ainda mais agora que tonei conhecimento da ligação a Santiago. Bem haja .
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