quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Entre Babia e Somiedo

   "La llegada'l ñuberu", Xuacu Amieva, "Tiempu de mitos"

Em Agosto de 1997 conheci Somiedo. Já lá vão 16 anos mas, como escrevi neste blog em 2011, "lembro-me como se fosse hoje daquele dia 4 de Agosto de 1997. Contrariamente aos anteriores, o céu estava enevoado, ameaçando chuva, mas à medida que nos aproximávamos de Belmonte de Miranda e, passada esta, nos embrenhávamos no apertado vale do rio Pigueña ... a minha sensação era a de estar a entrar num outro mundo, o mundo das montanhas "mágicas", das encostas verdejantes, as montanhas e as encostas de "onde l'agua ñaz", onde pululam xanas, ñuberus e tantas outras figuras da riquíssima mitologia asturiana. Sentia-me a fazer parte daqueles bosques, protagonista de um "tiempu de mitos", companheiro dos últimos ursos pardos, que ainda habitam aqueles bosques e vales encantados.
O Rio Sil no "Rincón de Babia", La Cueta, 15.Out.2013
.... Lembro-me da emoção que senti, uma emoção que não se explica, sente-se. Algo naquelas terras me disse logo que eu lhes pertencia, que iria lá voltar! ". E voltei! Desde então, quase todos os anos tenho palmilhado estas terras, alargando o "rasto" aos vizinhos valles del oso e às montanhas do norte de Leão. Nestas montanhas astur-leonesas, em Julho de 2006 conheci La Cueta, a nascente do Rio Sil, a "fronteira" entre Leão e Astúrias ... entre as terras de Babia Somiedo. Pois bem ... La Cueta e o originalíssimo "El Rincón de Babia" foram, tal como em 2006, a base para um regresso a estas terras "mágicas". De Lisboa a Babia, na passada terça-feira, com a minha companheira de sempre e um casal de velhos e bons amigos que em boa hora cativámos para a "causa" das caminhadas e da vida ao ar livre, iniciámos mais um périplo por estas terras de sonho. Babia, perdida nos confins do norte de Leão, converteu-se aliás numa metáfora: a expressão "estar en Babia" tornou-se no reconhecimento da feliz e nostálgica "ausência" que proporciona a sua beleza!

"El Rincón de Babia", 16.Out.2013, 10:00h - Vai começar mais uma caminhada por paraísos perdidos...
Laguna de Babia

Com uma meteorologia bastante instável, o nosso habitual "contrato" com o Santo padroeiro do clima permitiu-nos contudo começar por um percurso que nos levaria às montanhas a sudeste de La Cueta e à Laguna Grande de Babia. O Sol teria dado outra luz e outra profundidade às paisagens, mas as névoas e mesmo a chuva miudinha que nos acompanhou durante grande parte da jornada emprestavam-lhes uma outra beleza e mistério.
Encosta leste sobre Quejo (La Cueta)
Subida do Colado de
La Muesa (1814m alt.)
A subida para o Colado de La Muesa foi bem vertiginosa ... mas a descida da vertente contrária não o foi menos, por sucessivas cascalheiras salpicadas pela teimosa chuvinha. Mesmo assim, os verdes prados e colinas que se nos iam deparando ... iam justificando a metáfora da expressão "estar en Babia"...

Laguna Grande de Babia à vista
Majada Puñín ... onde seria o almoço
Ainda do alto das ondulantes encostas que a ladeiam a norte, a Laguna Grande de Babia surgiu-nos a formar um autêntico quadro natural. No fundo do vale, lá estava a estradinha que lhe dá acesso a partir da aldeia de Lago de Babia. Junto à lagoa ... estava o nosso telheiro "salvação" para o almoço, na Majada Puñín, à mistura com alfaias e outra maquinaria agrícola e pecuária. E a tarde melhorou ligeiramente, deixando-nos apreciar sobremaneira o lindíssimo percurso entre a lagoa e a aldeia de Cacabillo.

Laguna Grande de Babia
E através do paraíso, entre a Laguna Grande e Cacabillo
Antes das três da tarde estávamos de novo à beira do Rio Sil, em Cacabillo, a aldeia anterior ao "nosso" barrio de Quejo, de La Cueta. À beira da estrada, a Igreja de Nª Srª das Neves lembra o rigor dos invernos nestas paragens altaneiras. E, sempre à beira do Sil, regressámos ao "Rincón de Babia", quando finalmente a inclemência dos céus parecia estar a criar algumas abertas de esperança. Tínhamos percorrido apenas nove quilómetros ... mas estávamos verdadeiramente "en Babia".

Sobre o Rio Sil, em Cacabillo
Igreja de Nossa Senhora das Neves
Tons de Outono, sobre as águas do Rio Sil
Em terras de Babia
(álbum completo)

"El Rincón de Babia" ... ponto de partida para ligar Babia a Somiedo...
La Cueta - Peña Orniz - Lago del Valle - Valle de Lago

O dia seguinte, 17 de Outubro, era destinado a uma "aventura" há muito desejada: ligar Babia a Somiedo! Entrar em Somiedo pelos cumes que dominam o meu já velho conhecido Lago del Valle! E uma "aventura" a solo, já que os meus três companheiros iriam dar a volta de carro pelo Puerto e Pola de Somiedo, reencontrando-nos precisamente no Lago del Valle. Mais uma vez S. Pedro ajudou, ao dar-me um dia bem mais soalheiro que o anterior, sem chuva, apenas algumas nuvens pacíficas a pintar de tons de branco acinzentado os céus destas paradisíacas montanhas astur-leonesas.

17.Out.2013, 8:35h - La Cueta de Babia (1460m alt.) ainda quase dorme, quando parto para a ligação Babia - Somiedo
Pouco passava assim das oito e meia da manhã quando deixei, sozinho, a aldeia de La Cueta de Babia. Sozinho? Não; quase um quilómetros depois de sair vi que estava a ser seguido por um cão de grande porte, um autêntico "mastín" guardador de gado. Aproximando-se de mim, o ar dócil e simpático em momento algum me inspirou receios ... e acabou por fazer toda a caminhada comigo, revelando-se um verdadeiro amigo, inteligente ... e até apreciador, comigo, das fabulosas paisagens que íamos viver ao longo do dia.

Um fiel companheiro de toda a caminhada!
Praderas de Cebolléu e Sierra de La Mortera
Toda a primeira parte do percurso repetiu o trajecto de Julho de 2006, quando também subi às nascentes do Sil e ao Pico Cuetalbo, com uma incursão em Somiedo para a braña de Murias Llongas. Agora, passadas as nascentes do Sil, entrei em Somiedo no alto dos 2191 metros de Peña Orniz, o segundo cume mais alto de Somiedo. E que panorâmicas sublimes se iam gradualmente abrindo diante dos meus olhos ... e do meu fiel "Mastín", nome que lhe passei a chamar por desconhecer o dele.

A percorrer um reino de magia...
Ao fundo o Cornón, cume de Somiedo
Estou no céu...
Cume de Peña Orniz (2191m alt.)
Pela primeira vez, entrei em Somiedo a pé! Tal como os restantes próximos, o cume de Peña Orniz situa-se no limite entre Leão e Astúrias, entre terras de Babia e de Somiedo. E a descida do Colado de Orniz para as Morteras é espectacular. Dir-se-ia uma paisagem lunar, cheia de irregularidades do terreno ... mas com todas as ondulações pintadas de verde e castanho. O Sol, esse escondia-se ainda por trás da mole imensa de Peña Orniz, de onde viera, mas iluminando os três Picos Albos em todo o seu esplendor.

Colado de Orniz ... e vou entrar em Somiedo!
Las Morteras. Uma paisagem lunar pintada de verdes, castanhos e cinzentos
O Sol ainda se esconde por trás da mole imensa de Peña Orniz ...
Os três Picos Albos, reis e senhores das alturas sobre o Lago del Valle
Eu e o meu fiel companheiro Mastín abeiravamo-nos agora a passos largos do já meu velho conhecido Lago del Valle, mas agora vindo de sul, das montanhas astur-leonesas. Num autêntico miradouro natural, o lago surge de repente, como que precipitando-nos num autêntico reino de magia pura, de natureza em estado puro.

E de repente ...
estamos sobre o Lago del Valle !
O almoço foi pouco depois deste verdadeiro miradouro. Claro está que partilhei o que havia levado com aquele fiel amigo que ganhei neste paraíso. E preocupava-me, claro, o destino dele no final desta fabulosa jornada. Mas já contarei, no final ... como o destino comanda a vida...

Um almoço
a dois...
Entretanto começam a surgir camurças em vários locais. Desconfiadas, furtivas ... o Mastín bem as queria apanhar ... mas não chegava para a rápida corrida delas!

Camurças nas
Morteras del Lago
"Eu queria
apanhá-las..."
A vertiginosa descida para o Lago del Valle foi um sucessivo desbobinar de panorâmicas de cortar a respiração. Já havia descido das montanhas para o lago com alunos, vindo de nordeste, e com os "meus" caminheiros Gaspar Correia, vindo de noroeste, mas agora vinha de sul, a despedir-me da parede rochosa de Peña Orniz.

Um último adeus ao maciço de Peña Orniz ...
... e o Lago del Valle surge imponente
"Eu também sei apreciar a paisagem..."
E junto já ao Lago del Valle
Antes das três da tarde estava junto ao Lago del Valle ... com o "meu" Mastín por companhia.
No Lago del Valle ... voltámos a reunir a equipa...
E pouco depois, como previsto, vi chegar os meus três companheiros, que haviam vindo de carro de La Cueta a Valle de Lago, fazendo depois o mais conhecido PR de Somiedo, a subida ao longo do vale do río del lago, até ao nosso encontro.
Ao longo da descida do lago até à aldeia de Valle de Lago, claro que a nossa preocupação sobre o que fazer ao "Mastín" redobrou. Ao ver subir um jeep da Guardia Civil, pensámos ter surgido a solução ... mas afinal concluímos que não é só em Portugal que as coisas não funcionam como deveriam; é que ... não era da competência deles saber quem seria o dono do cão, em La Cueta, e providenciar o seu regresso. Teríamos de o entregar no Ayuntamiento. Felizmente quis o destino que, em Valle de Lago ... houvesse quem conhecia o meu fiel companheiro de jornada! Ao contar a história a um "vecino", logo ele me informou conhecer o dono, em La Cueta ... e logo vi o "meu" Mastín abeirar-se daquele seu amigo providencial! Há factos ... que nos fazem perguntar a que se deve tanta coincidência ... ou providência...

Com mais de 20 km nas patas, o meu amigo "Mastín" continua a seguir-me...
E ... Valle de Lago à vista! O "Mastín" ... encontrou um amigo do dono!
E em Valle de Lago terminou portanto esta fabulosa jornada pedestre, entre Babia e Somiedo! Foi, sem dúvida alguma, uma das mais fantásticas caminhadas que já fiz! E Somiedo ainda tem tanto para me dar...! Aliás ... ainda estamos em Somiedo ... em tons de Outono!
Como habitualmente, em Pola de Somiedo estamos instalados em "casa" do já nosso velho amigo Hermínio, da "Casa Miño".

De Babia ... a Somiedo



(Escrito ao longo dos dias 16, 17 e 18 de Outubro, em Babia e Pola de Somiedo. Agradeço o sinal WiFi à "Casa Cesareo")

1 comentário:

José Baleiras disse...

Em percursos em linha é complicado aceitar a companhia dos patudos, por mais que ela nos agrade, caminhando a "solo" nem sempre há "final feliz" apesar de eles o fazerem com prazer...mas havendo disponibilidade para o trazer ao ponto de partida não seria fácil com o tamanho dele.Ainda bem que pudeste partilhar da simpática companhia do "Mastm"