sábado, 27 de setembro de 2025

Da Zambujeira do Mar a Almograve... em dia de Gabrielle...

O Grupo de Caminheiros Gaspar Correia inaugurou hoje a "época" 2025 / 2026 com uma belíssima caminhada na costa alentejana, entre a Zambujeira (mais concretamente o Porto das Barcas) e Almograve, pelo sempre belo Trilho dos Pescadores. Na incerteza do que a Gabrielle nos traria... tivemos um óptimo sábado de Sol até pouco antes de terminarmos a caminhada. Já se via chuva no mar, mas o proverbial contrato que S. Pedro tem com o grupo fez com que só começasse a chover... quando entrámos para o autocarro... 😂
Porto das Barcas (Zambujeira do Mar), 27.09.2025, 10h50
Melhor do que qualquer descrição... é verem o vídeo daqueles belíssimos 18 km 💖
Clica para ver "ao vivo" ou aqui para o Wikiloc

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Pirenéus a dois... ou uma nostalgia com mais de 40 anos... (4)

No périplo iniciado uma semana antes, depois de três dias pelos Pirenéus aragoneses e outros tantos na Baixa Navarra... o dia 15 de setembro era um dia de emoções. Estávamos a pouco mais de 10 km de Saint Jean-Pied-de-Port... e eu queria ir mostrar à minha pequena arraiana os meus...
Olhares sobre o Caminho Francês em Navarra
15.09.2025, 09h20 - Quando saímos do vale do Nive... subimos acima das nuvens...
Sobre Esterençubi e o vale do Nive... os deuses tinham-nos enviado um nevoeiro mágico... para um dia místico. Mas logo os céus se abriram e o Sol iluminou as montanhas. Havia muito para recordar, relativamente à primeira etapa do meu Caminho Francês... já lá vão 9 anos! Pela mesma estrada que na véspera subi de bicicleta, seguimos a linha de fronteira em direcção poente... e saímos das nuvens.
Liberdade plena... junto à enigmática Torre de Urkulu (1419m alt.)
Cruz de Thibault
E de repente o nosso dia enche-se de peregrinos... todos vindos do nevoeiro... como vultos na paisagem 💖
A Cruz de Thibault foi o primeiro local onde "entrámos" no Caminho de Santiago. Por entre o nevoeiro que ia e vinha... revivi aquele mágico dia 28 de abril de 2016, em que, com o Zé Messias e o António Banha, saímos de Saint Jean rumo às estrelas. Como que senti as emoções nos rostos das centenas de peregrinos que se cruzaram connosco, de todas as nacionalidades e de todas as idades... e não resisti à tentação de percorrer um pequeno troço do Caminho, até à Fonte de Rolando ✨💫
Fuente de Roldán... e os peregrinos seguiam o seu Caminho. Quase lhes lia os pensamentos...
Teremos forças... seremos capazes? Temos 800 km pela frente... 🤔
Mas tinha de voltar ao carro e acordar das memórias...
Continuavam a passar peregrinos. Espanhóis, alemães, muitos japoneses ou coreanos... um português de bicicleta... "Ainda falta subir muito?", perguntou-me. Disse-lhe que não muito... não lhe disse que o alto de Lepoeder ainda estava a quase 5 km... e continuámos a caminho de Saint Jean-Pied-de-Port.
Mas antes... antes esperava-nos a Virgem de Biakorri ... que em basco significa "dos ventos que correm"...
9 anos antes ... 28.04.2016 ... quando a Virgem de Biakorri abençoou o meu Caminho Francês de Santiago
Há 9 anos, optei por começar o meu mais longo Caminho naquele dia 28 de abril. Entreguei as minhas lágrimas à Virgem de Biakorri - ou de Orisson - pelos 13 anos que então se cumpriam sobre a passagem para outro nível do meu querido Zé "Malhadinhas", pai da minha estrela. Dediquei-lhe o meu esforço e a minha saudade. Agora, nos meus "olhares" sobre o Caminho, tinha a minha estrela comigo!
Pouco depois estávamos no Refuge d'Orisson, a primeira paragem na nossa primeira etapa do Caminho Francês
E às 12h35 estávamos em Saint Jean-Pied-de-Port... sobre o Nive. A cidade fervilhava de vida... de uma Vida em que predominam os peregrinos, rumo a Espanha, rumo a Santiago; o túmulo do Apóstolo está já ali... a mais de 800 km...
abril de 2016... foi aqui que dormimos.
E naquele dia 28 de
Porta de Santiago, por onde entram os peregrinos vindos de mais longe, Le Puy-en-Velais, por exemplo, pela Via Podiensis.
Almoçados em Saint Jean-Pied-de-Port, vivida a nostalgia de olhar para as minhas próprias memórias e de as transmitir à minha estrela... havia que seguir para Espanha... para Roncesvalles. Não a pé, como no Caminho... mas pela estrada de Valcarlos e pelo Puerto de Ibañeta.
Real Colegiata de S.ta María de Roncesvalles... cuja ala esquerda é Albergue de Peregrinos... onde dormi em 2016
com os meus dois companheiros de Caminho.                 
Mas os "olhares" sobre o Caminho Francês não terminariam sem um local e duas cidades da(o)s mais marcantes naquela que foi (e que provavelmente será sempre) a minha maior "aventura" pedestre, espiritual... mística...
Refiro-me ao Alto del Perdón e às cidades de Pamplona e Puente de la Reina. Na manhã do dia 16, em que iríamos "montar a tenda" em Pamplona, saímos de Burguete ao encontro do rio Arga em Zubiri... onde me lembrava bem da bonita ponte medieval.
16.09.2025, 09h30 - Puente de la Rabia, ponte medieval sobre o Arga, em Zubiri 
Como tínhamos tempo, optámos por contornar a capital de Navarra para ir recordar, primeiro, o Alto do Perdão e Puente de la Reina, que, embora depois de Pamplona, são pouco distantes. E assim, a meio da manhã... estávamos naquele emocionante lugar... donde se cruza el camino del viento con el de las estrellas... ✨. E se havia vento... a marcar nos rostos as emoções, as dúvidas, a alegria do Caminho!
Alto del Perdón, 16.09.2025, 10h25
Memorial Fosas de la Sierra del Perdón
Este Memorial, "Fosas de la Sierra del Perdón" foi inaugurado em 2017... não existia portanto quando do meu Caminho Francês... e veio trazer àquele local um peso maior ainda do que o mesmo já transmitia. O Memorial simboliza o reconhecimento e a reparação das 92 pessoas ali assassinadas em 1936 e 1937, como resultado da repressão desencadeada após o golpe militar franquista.
Ei-los que chegam com o vento...
... ei-los que partem com o vento!
E em Puente de la Reina, sobre o Arga, 11h25
Na nossa "peregrinação" - ou melhor, nos olhares a recordar na minha memória e a transmitir à minha estrelita - agora sim faltava apenas a capital de Navarra, Pamplona. E tínhamos dia e meio para lhe dedicar, com a "tenda" montada no Hotel Pamplona Plaza. Não... as características não são nem de perto nem de longe tão "sonantes" como o nome; o melhor ainda era o pequeno almoço...
Porta de França e Rua Mercaderes, Pamplona. É pela Porta de França que entram os peregrinos... e são sempre muitos!
Catedral Metropolitana de Sta. María La Real
e o imponente Ayuntamiento de Pamplona
Plaza del Castillo, um dos centros nevrálgicos de Pamplona...
... onde se situa o célebre Café Iruña... onde almoçámos, pois claro...
E sem deixarmos de cumprimentar o Sr. Ernest
Hemingway, velho amigo do Café e da cidade
Da Cidadela de Pamplona ... podíamos dizer um adeus a Navarra e a estas... férias das férias...
Um adeus também ao Rio Arga
Como não poderia deixar de ser... o último dia deste périplo foi longo. Não tão longo como o primeiro, 10 dias antes, mas de qualquer modo uma jornada de cerca de 900 km... coming home. Mais uma vez não me cansei... eu até vim sentado... e a parceira dormiu metade do caminho... 😂
Algures entre Vitoria e Burgos, 18.09.2025, 09h20 ... cerca de 8 horas depois estávamos em casa 😊
E agora que também desta viagem ficaram as memórias... penso que lhe poderia chamar...
« Pirenéus, Vozes Antigas... Entre Cumes e Memórias »
Foram... são... Caminos que nos cruzan... Mendi eta oroimen artean
(Entre a montanha e a memória).
O périplo terminou… mas os Pirenéus permanecem.
Entre cumes e memórias, fomos recordar, reviver, conhecer.
Ali, onde o vento fala aragonês e basco — ou euskera
ali, onde as pedras guardam histórias,
onde os trilhos rezam em silêncio e os rios cantam liberdade…
não percorremos apenas caminhos:
fomos percorridos por eles, como quem reencontra vozes antigas,
entre pedras e pastores, entre cidades e serras,
numa peregrinação em que a geografia também fala em alma.
Escrito a posteriori, em casa

domingo, 14 de setembro de 2025

Pirenéus a dois... ou uma nostalgia com mais de 40 anos... (3)

No dia 12 deixámos Nerín... e mudámos de país. Saímos do "país" de Sobrarbe... saímos de Aragão... saímos de Espanha... e entrámos em terras da Baixa Navarra... França. Quando desenhei o programa deste périplo pirenaico, além do regresso ao paraíso de Ordesa e Monte Perdido, relatado nas crónicas anteriores, quis-lhe associar também... os Caminhos de Santiago nos Pirenéus.
Caminho Aragonês e Baixa Navarra
Mas a jornada daquela sexta feira foi tudo menos uma mera ligação entre dois pontos. Não sei se se pode recordar o futuro... mas lembram-se que eu percorri o Caminho Aragonês... em 2034? Pois é, pouco depois das dez da manhã estávamos em Castiello de Jaca - a 835 km de Santiago - e pouco depois na mundialmente famosa Estação Ferroviária de Canfranc, transformada em hotel de luxo. Tal como naquele futuro ficcionado, estávamos como que a percorrer o Caminho Aragonês al revés.
Castiello de Jaca, 12.09.2025, 10h30 ... e na Estação
Ferroviária de Canfranc... a Royal Hideaway Hotel
Não sabíamos se havíamos de ficar na Estação...
...ou apanhar o comboio... 😂
Devido à dificuldade de escolha... optámos por beber um chocolate quente com churros 😂... e continuámos a subir o vale do Rio Aragón, rumo a Somport, visitando antes as ruínas do antigo Hospital de Santa Cristina, importante centro de acolhimento de peregrinos durante a Idade Média.
Ruínas do antigo Hospital de Peregrinos
de Santa Cristina, pouco antes de Somport
Sob a bênção de Santa Maria de Somport, 12h15
Tinha começado um "mergulho" na vertente francesa, descendo o vale d'Aspe
O Caminho Aragonês, ou variante aragonesa, que muitos consideram que começa em Somport, na realidade tem a sua origem no Caminho de Arles, ou Via Tolosana, usado por peregrinos do sul de França e de Itália. Era a única das quatro rotas de peregrinação que era percorrida por peregrinos em ambas as direcções, no sentido de Compostela ... ou de Roma. Um deles fui eu... no futuro... 😐
Ao descer a Gave d'Aspe, continuámos portanto em Caminho de Santiago - ou de Roma - pelo menos até Accous, em que inflectimos para ocidente, paralelos à fronteira, por estradas de montanhas bucólicas, em que predominavam as ovelhas, cavalos... e nevoeiro.
Floresta de Irati, embora ainda sem as cores outonais que celebrizaram aquela magnífica floresta de faias e abetos
A meio da tarde chegámos a este paraíso à beira do Nive, o rio de Saint Jean-Pied-de-Port ✨💫
Sim... ali à direita é a sala de refeições do Logis 💖
Tal como tínhamos estado três noites em Nerín, tínhamos reservado igualmente três noites neste autêntico "retiro", quase desligados do mundo cada vez mais louco em que vivemos. Embora administrativamente pertença à Nouvelle-Aquitaine, o nome da povoação mais próxima - Esterençubi - evidencia bem as profundas raízes bascas desta região pirenaica, histórica e culturalmente denominada Baixa Navarra. As fronteiras políticas, como em tantos outros locais do planeta, são apenas isso mesmo: políticas.
O termo "Baixa Navarra" - Nafarroa Beherea, em basco - vem da divisão histórica do antigo Reino de Navarra, que existiu entre os séculos IX e XVI. O reino estendia-se de ambos os lados dos Pirenéus, abrangendo partes do que hoje é o norte de Espanha - Alta Navarra - e o sul de França - Baixa Navarra.
Esterençubi, pequena e bela cidadezinha nas margens do Nive, 13.09.2025, 11h15
Na senda das nascentes do Nive e da Gruta de Harpea
Sábado, 13 de setembro, foi dia de inteiro relax. E no domingo... tínhamos as nascentes do Nive para descobrir. Os mapas assinalam um local, próximo do nosso Logis, como Sources de la Nive, acessível numa curta caminhada de pouco mais de 1 km. Mas os mesmos mapas também assinalam que a linha de água vem de mais acima. E assim... na manhã de domingo fomos à descoberta...
Pequena caminhada a dois às Sources de La Nive, na manhã de domingo, 14.09.2025
O local assinalado como Sources de la Nive situa-se no meio de uma frondosa floresta, um pouco a sul do nosso Logis. O local é bem aprazível mas, como as cartas mostram, as águas já vêm de bem mais acima. Na realidade, o Nive - Errobi, em basco - não tem uma única nascente, resulta da confluência de vários cursos de água que descem dos altos vales junto à fronteira espanhola. Há quem veja em Errobi uma metáfora para a própria língua basca: fluida, resistente, profundamente enraizada na paisagem, como que levando consigo os nomes, os sons e os silêncios da Baixa Navarra.
A minha parceira optou por regressar à "base", mas eu ainda segui a solo pelo trilho que sobe aquele verdejante vale!
No fundo do vale, o mapa já assinala a linha de água com o topónimo Harpeko Erreka, ou seja, o riacho de Harpea, já que outro local que surge destacado nas cartas é a Grotte d'Arpea - Harpeako leizea - situada ainda a uns bons 3 km. Até porque os franceses almoçam cedo e a minha arraiana me esperava... resolvi descer também. Só fui até onde termina a linha azul no registo à esquerda... mas também porque sabia que, à tarde... o Logis dispunha de bicicletas eléctricas ao dispôr dos hóspedes 💖
E assim foi: a meio da tarde e a solo, subi até à linha de fronteira e à fantástica Gruta d'Arpea, com fabulosas paisagens de montanha.
Armado em ciclista (mas numa boa eBike...), subi aos céus e à fronteira... de uma mesma Navarra, um mesmo País Basco!
A caminho da Gruta d'Arpea, sob os picos de Errozate e Mendizar, formando um anticlinal em forma de “V” invertido.
Desde tempos pré-históricos, a Gruta de Arpea foi usada como refúgio pastoral, protegida dos ventos e rodeada por nascentes. A sua forma geológica revela camadas de rocha com cerca de 40 milhões de anos, cada uma representando ciclos de tempo com cerca de 20.000 anos. No seio daquela paisagem, parecia que estava a viver um arquivo do Tempo, um abrigo de memórias líquidas e pétreas.
Onde o rio Sonha...
Dizem que antes de o Errobi correr entre as pedras, ele escutou histórias...
Na dobra de Harpea, onde a montanha se abre como um livro antigo,
vivem as lâmias, mulheres de água e silêncio, com pés
que não são de gente e olhos que lembram o tempo antes do tempo.
Ao cair da tarde, penteiam os cabelos com pentes de ouro,
sentadas à beira dos regatos que ainda não têm nome.
Quem passa e escuta o murmúrio pensa que é o vento,
mas é o rio a aprender a falar.
Harpeako leizea não é apenas gruta... é ventre.
Ali, entre estratos dobrados como véus, o Nive começa a sonhar.
Não nasce de uma fonte, mas de um pacto entre pedra e água,
entre mito e memória. E quando o rio finalmente desce, levando consigo o segredo das lâmias e o eco da gruta, ninguém sabe ao certo
se o que corre entre as margens é água ou lembrança...
Errobi garaiko haraneko lamiaren kondaira ” ("Lenda das lâmias do vale do alto Nive")
Pouco depois das seis da tarde estava a ver correr as águas do Nive... junto ao nosso Logis des Sources...
Não encontrei as lâmias... mas também não as poderia ver. Se as vires...
Não a olhes - ou perderás o caminho...
Não a chames - ou esquecerás o teu nome...
Ela é água que lembra, pedra que sonha,
e o rio que corre leva consigo o que não se pode dizer.
E estávamos na véspera de deixar, também, a nossa segunda "base" pirenaica. Mas os dias seguintes seriam, ainda... muito especiais...