quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Do Tejo ao Danúbio:
Budapeste … ou as duas faces de uma cidade monumental

Hesitei antes de escrever e publicar este artigo. Nestas minhas memórias, não costumo publicar viagens ou passeios de índole mais turística. As "fragas e pragas" - vindas dos "anos loucos" da minha adolescência - sempre foram vocacionadas para as "aventuras" vividas na Natureza, calcorreando serras e vales, escutando as águas das correntes e ribeiros … escutando os sons do silêncio.
Santo Estevão, Apóstolo dos húngaros
Contudo, apesar de desta vez a "aventura" dizer respeito a uma cidade … três dias em Budapeste corresponderam a quase 40 km percorridos a pé, com o Danúbio quase sempre por tema, numa cidade que combina harmoniosamente a Natureza ligada ao rio e às duas colinas de Buda, com a imponência e a história dos grandes e faustosos edifícios, como as majestosas casas do Parlamento Húngaro, em Peste, onde aliás se situam a maior parte dos restantes motivos de visita. E assim, sem cruzar muitas fragas e felizmente sem pragas … na noite de domingo para segunda voámos do Tejo ao Danúbio, para dois dias e meio a percorrer as belezas naturais e históricas de uma das mais belas capitais europeias. A fraga, apenas a dois … foi a forma de comemorar 42 anos de vida em comum. Depois de Viena e de Praga … a estrela que me tem acompanhado há muito que queria conhecer Budapeste … mas só soube que tinha uma mala para fazer 5 dias antes… J
Nas últimas décadas, a História confunde-se com o Turismo, nesta cidade que já foi imperial. Budapeste e toda a Hungria atravessou tempos conturbados durante quase todo o século XX, como grande parte da Europa. A História sente-se e vive-se quase em cada esquina, em cada local ligado a episódios dos quais a raça humana se deveria envergonhar. Episódios recentes fazem recear a repetição de ciclos … cujos ventos se espera e deseja que se esfumem. Cada vez mais … a Vida é o Presente! O Passado não volta, pelo menos igual … e o Futuro ninguém o adivinha. Mas, para além das fotos, não me vou alongar na escrita. A História não é o tema deste meu blog. Apenas a referência a alguns episódios a que assistimos ou vivemos nestes dois dias e meio em Budapeste e às jornadas pedestres que nos mostraram a capital húngara. Após um transfer do aeroporto Liszt Ferenc (Franz Liszt) quase à uma da manhã, o dia de segunda feira começava apesar de tudo às 9:30h. Optámos pelos serviços da "Eurama" para um primeiro e único Tour de apresentação à cidade: três horas de um misto de autocarro com guia em espanhol e algumas saídas nos pontos principais. Não nos arrependemos da opção por esta das muitas empresas turísticas, aliás a mesma que nos fez os transfers de e para o aeroporto. Pontualidade como eu gosto e cortesia; recomendável, sem dúvida.
Começámos pela Praça dos Heróis, ao cimo da grande e imponente Avenida Andrássy, o mais cosmopolita dos grandes boulevards de Budapeste. Gyula Andrássy foi primeiro ministro húngaro no século XIX. Consta ter sido amante da Imperatriz Erzsebet, ou Isabel da Baviera, casada com o imperador Francisco José I; era conhecida como Sissi da Áustria e Hungria.

Budapeste, 14.12.2015, 09:30h - Praça dos Heróis
Descendo a Avenida Andrássy, o tour levou-nos seguidamente a atravessar o Danúbio da margem esquerda – Peste – para a margem direita – Buda – para subirmos aos espectaculares miradouros naturais das colinas de Buda: a colina da Cidadela e a colina do "Castelo", ou Palácio Real, onde se situa também o célebre Bastião dos Pescadores. De qualquer destes miradouros … tínhamos o Danúbio e a maior parte da vastíssima e rica cidade aos nossos pés.

E ... o Danúbio, visto da Cidadela de Buda, com a Ponte dos Leões (ou das correntes). À esquerda, o Palácio Real.
As estátuas da liberdade, na Colina Gellért, alusivas à libertação da
Hungria pelas tropas soviéticas, em 1945. Na base, encontrava-se a
estátua ao soldado soviético, removida quando da revolução húngara
(1956) e substituída depois por uma réplica ... igualmente removida
em 1989/90, com a queda dos regimes comunistas.
Dois turistas na Cidadela de Buda, contemplando
o Danúbio e a Ponte Sissi
O Palácio Real, ou "Castelo" de Buda, na colina a norte da da Cidadela
Bastião dos Pescadores (Halászbástya), construído em homenagem às 7 tribos que fundaram a Hungria em 896 ...
... e a panorâmica do Bastião sobre o Danúbio e a Ponte dos Leões
O casario de Buda, o Danúbio e, na margem oposta, em Peste, as imponentes Casas do Parlamento húngaro
A Igreja Mathias, junto ao Bastião dos Pescadores,
e a Catedral de Santo Estevão, já em Peste
xxxxx
Terminado o Tour de apresentação ... começou o nosso circuito a pé. Depois da visita à Catedral de Santo Estêvão e à sumptuosa Ópera de Budapeste, claro que o périplo tinha de ser ao longo do Danúbio, que atravessámos na famosa Ponte das Correntes (Széchenyi lánchíd), ou Ponte dos Leões.

Travessia do Danúbio pela Ponte dos Leões, ou das Correntes (Széchenyi lánchíd)
Pela margem direita, seguimos sempre ao longo do rio, passando pela Ponte Erzsébet (a Ponte Sissi) e a Ponte Szabadság, ou Ponte da Liberdade, talvez a mais bela das muitas pontes da cidade, pela qual regressámos a Peste. Íamos visitar o Memorial do Holocausto ... mas estava fechado à 2ª feira.

Três das Pontes que atravessam o Danúbio: Széchenyi (das correntes), Erzsébet (Sissi) e Szabadság (da Liberdade)
Ao longo deste trajecto, acompanhando o rio, vamo-nos também apercebendo das muitas termas situadas na base do Monte Gellèrt, bem como da Igreja subterrânea que ocupa uma das várias grutas da colina.

Monumento a Santo Estevão, na encosta da Colina Gellèrt
Ponte da Liberdade e Hotel Gellèrt: ainda não são 4 da tarde ... mas o Sol já se está a pôr em Budapeste
Pouco depois das quatro da tarde é noite em Budapeste, nesta altura do ano. Com o Memorial do Holocausto encerrado, regressámos ao centro, admirando as belas iluminações de Natal. Na grande Avenida Erzsébet, detivemo-nos no majestoso Café Nova York.
Na transição para o século XX, o New York Kávéház era o mais famoso ponto de encontro de escritores e editores. Depois da segunda guerra mundial, só reabriu em 1954, com o nome de Café Hungária. Mas só foi restaurado e devolvido ao seu antigo esplendor em 2006.

O esplendor do Café Nova York, no mesmo edifício do Hotel Boscolo
U
Um café no New York Kávéház custa o equivalente a 4 € ... mas os momentos de descanso e o êxtase naquele esplendor de arquitectura valeram bem a despesa... J.

A Sinagoga de Budapeste,
tida como a maior e mais monumental da Europa
Eram, entretanto, quase seis da tarde. Cedo para jantar, tarde para mais visitas. Passámos pela monumental Sinagoga, já encerrada ... e decidimos regressar ao "nosso" hotel, o Hotel Belvedere, em Buda.
O regresso teve um episódio digno de registo: junto à ponte Széchenyi, entrámos num autocarro ... mas na altura a nota mais baixa para comprar os dois bilhetes era de dez mil florins (cerca de 33 €) ... e o motorista/cobrador não tinha troco. De imediato, vindos nem soubemos de quem ... "caíram-nos" dois bilhetes pré-comprados nas mãos... J Havia de ser em Portugal...! Mas ... segundo episódio: duas ou três paragens depois comecei a verificar, pelo GPS, que o autocarro se afastava do hotel...; saímos ... e chegámos ao hotel com 14 km percorridos no nosso primeiro dia na imponente capital da Hungria!...

Casas do Parlamento, Budapeste, 15.12.2015
O dia seguinte começou pelo Parlamento húngaro, um dos edifícios legislativos mais antigos da Europa, que constitui um notável exemplo paisagístico nas margens do Danúbio. Nas traseiras, na Praça Szabadság (Praça da Liberdade), situa-se o monumento que glorifica a libertação pelos soldados soviéticos, em 1945. Na mesma praça, situa-se também um memorial erigido em 2014, supostamente à memória das vítimas do holocausto, mas contestado mesmo antes da sua construção, por representar a Hungria como vítima do nazismo ... e não como país aliado que foi do regime nazi.

Monumento alusivo à libertação de Budapeste pelas tropas soviéticas, em 1945, na Praça da Liberdade
Monumento erigido supostamente à memória das
colaboracionismo
vítimas do holocausto ... mas contestado pelo
do governo húngaro com os nazis!
Nesta contestação ao memorial judaico, encontrámos também uma "inscrição" no mínimo assustadora, face aos conturbados tempos actuais: em caracteres ocidentais pintados sobre uma das estruturas, lia-se ... "Allah Akbar" (Alá é grande). Não fotografei ... e seguiu-se a visita à maior e mais monumental Sinagoga da Europa, na rua Dohány, da qual regressámos à Avenida Andrássy, para a mais impressionante visita desta nossa viagem às terras húngaras: a Terror Háza ... a "Casa do Terror".

Interior da majestosa Sinagoga
e respectivo cemitério judeu
O número 60 da Avenida Andrássy - a "Casa do Terror" (Terror Háza) - era o quartel general do Nyilaskeresztes Párt, o Partido da Cruz Flechada, pró-alemão e anti-semita. No final da guerra, com a ocupação soviética ... passou a ser o quartel general da AVH, a polícia política húngara. Chamava-se então Hűség Háza ... a "Casa da Lealdade"...! Em 2002 foi transformada em Museu, que recebeu o nome actual: um Museu retrospectivo do Terror vivido na Hungria ao longo de dois regimes teoricamente opostos ... e de quase todo o século XX. As imagens e textos que vimos e lemos falam por si.

Memórias de quase um século de Terror, na Terror Háza
As imagens e textos que vimos e lemos falam por si, como disse acima. Mas também falou fundo assistir a um jovem visitante, não sabemos de que nacionalidade ... a ler as descrições do Terror com grossas lágrimas a correrem-lhe pela cara...! Mas da "Casa do Terror" regressámos às margens do Danúbio...

Cruzeiro nocturno no Danúbio ... 
Para o final do segundo dia em Budapeste ... esperava-nos um cruzeiro no Danúbio, com jantar a bordo, reservado na mesma agência "Eurama" com que fizemos o Tour inicial e os transfers. Durante uma hora e meia, ao som do Danúbio Azul e outras harmoniosas melodias tocadas ao vivo, degustámos um esplêndido jantar buffet, onde não faltou, claro, o típico goulash húngaro.

A bordo do Cruzeiro com jantar e música ao vivo ... enquanto percorríamos o Danúbio
É de salientar que normalmente se tem ideia que uma coisa desta natureza - um cruzeiro no Danúbio, com jantar buffet a bordo (4 pratos), música ao vivo, etc. - custa uma pequena fortuna. Provavelmente em Portugal (se existisse...) custaria. Pois bem ... em Budapeste custou o equivalente a 36 € cada um...

Mercado de Budapeste, 16.12.2015, 8:30h
E ... chegávamos ao último dia. Só tínhamos a manhã. Com 24 km feitos a pé nos dois dias anteriores ... a minha donzela preferiu ficar a descansar no hotel... J
Eu ... lancei-me de novo a pé ... rumo mais uma vez ao Danúbio. Não tínhamos chegado a ver o Mercado de Budapeste, que certamente a uma hora matinal seria animado. Atravessei mais uma vez a Ponte Szabadság ... e a azáfama no mercado era grande, com os dois pisos cheios de produtos hortícolas, carnes, mas também muitas lojas de objectos típicos e de decoração.
Ainda pensei visitar o Memento Park, o parque para onde foram trasladadas as estátuas derrubadas quando da queda do comunismo. Mas a distância fez-me recear; tinha de regressar ao hotel antes do meio dia, pelo que decidi ir visitar o Memorial do Holocausto, relativamente próximo. Mas ... só abria às 10h ... e pouco passava das 9h. Decididamente, o Memorial do Holocausto não estava destinado a que o visitássemos.
Relíquia de um passado ainda não muito distante...
Não havendo portanto mais visitas ... resolvi regressar ao hotel de novo a pé, passando pela grande estação de comboio de Nyugati, tristemente célebre particularmente no passado mês de Setembro, no auge da crise dos refugiados vindos da Síria e de outros países. Pelo caminho ... um velho Trabant recordava um passado mais distante. E foi a boa velocidade que percorri as ruas e avenidas que me separavam da Estação, onde corria uma azáfama de gente, mas onde já não se viam refugiados. Como e para onde foram ... só soubemos o que os media na altura divulgaram...

A imponente Estação de Caminho de Ferro de Nyugati
Da Estação de Nyugati, restava-me descer a Avenida Szent István (Santo Estêvão), atravessar para Buda na Ponte Margarita ... e regressar ao hotel. Foi pena não haver já tempo para um passeio pela Ilha Margarita, que acrescentaria um pouco mais de Natureza a esta "aventura" em terras húngaras. Mas o Sol e as águas do Danúbio criaram algumas imagens mágicas, naquela que foi a despedida de uma cidade verdadeiramente monumental.

Margem de Peste, a norte da Ponte Margarita
Ilha Margarita, com acesso a partir da ponte
Um dos últimos olhares sobre o Danúbio ...
Com mais 14 km percorridos em pouco mais de duas horas e meia ... às onze e pouco estava no hotel. A "aventura" pedestre em Budapeste totalizou, para mim, 38 km... J
Uns minutos antes das 14h ... estávamos de partida para o aeroporto Liszt Ferenc, no transfer da "Eurama". Em Budapeste, recomendo vivamente os serviços desta agência. Seguiu-se a habitual "seca" típica de todos os aeroportos ... e às 16:30h, já noite cerrada, estávamos a voar de regresso a Lisboa. A "aventura" húngara foi, sem dúvida, memorável!

16:43h - Bye bye Budapest and the Danube...
E três horas depois ... Lisboa é sempre Lisboa!
Deixei para o fim uma curiosidade ... curiosa... J. Se, para a minha "estrela", esta foi a primeira visita a Budapeste, que há muito ambicionava conhecer ... para mim foi a segunda vez. A primeira ... foi há exactamente 50 anos!!! Com apenas 11 anos, nas muitas viagens efectuadas com meus pais e referenciadas na apresentação deste blog ... eu já tinha estado em Budapeste. Sinceramente ... só me lembrava da Ponte dos Leões... J.

A "Ponte dos Leões" ... em Setembro de 1965!
No Bastião dos Pescadores. Em baixo, olhando o Danúbio ... é a minha mãe...; ao fundo, arrumando a máquina ... o meu pai
E o Danúbio visto da Cidadela ... igualmente há 50 anos. Memórias perdidas num tempo remoto...

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