domingo, 23 de novembro de 2014

Do ventre das Mesas a Vale de Espinho e às Fontes Lares ...

Quando iniciei este blogue (e já lá vão quase quatro anos...), chamei aos dois anos da minha juventude compreendidos entre Novembro de 1970 e Dezembro de 1972 ... os "anos loucos". Quinze acampamentos, quarenta e nove noites de campo, dezassete actividades espeleológicas, nove actividades de mergulho, com um deles a 65 metros de profundidade, uma travessia da África austral num VW "carocha", um campo de trabalho ... preencheram bem aqueles dois "anos loucos"...J
Sobre os Foios, 22.Nov.2014, 8:33h
Quarenta anos depois, essencialmente desde Janeiro de 2012 ... poder-se-ia dizer que os "anos loucos" regressaram em força...J. Com outra maturidade, mas nos últimos menos de três anos palmilhei mais de 3700 km a pé ... tantos quantos nos 7 anos anteriores, desde que tenho registos, em quase centena e meia de "aventuras", a solo ... mas também com muitos e bons amigos! Muitos e bons outros apaixonados, como eu, pelos grandes espaços, pelos grandes desafios!
E vem tudo isto a propósito, precisamente, de esta paixão pela vida ao ar livre me ter trazido, para além dos meus "velhos" Caminheiros Gaspar Correia ... outros bons e grandes amigos, cujos laços se fortalecem à "esquina" de cada nova "aventura", ao ultrapassar e viver cada nova fraga! De entre estes bons e grandes amigos, particularmente aqueles que estiveram ligados ao inesquecível e indescritível "Caminho da Aventura" (o "meu" Caminho de Santiago, a partir de Braga, em Julho passado) ... transformaram-se em autênticos irmãos ... tanto mais que dois deles também já tinham estado ligados à fabulosa "aventura" do Monte Perdido Extrem!
Perto da nascente do Côa, 22.Nov.2014 (Foto: Cristina Ferreira)
E quem me estiver a ler há-de estar a perguntar ... mas o que tem isto a ver com a raia e com o Côa? Pois bem: acontece que dos irmãos que estiveram ligados ao "Caminho da Aventura" ... só dois não conheciam ainda as "minhas" terras de Vale de Espinho, do Côa, da raia. E assim, 15 dias depois de de lá ter voltado ... reuni no meu pequeno "retiro" de Vale de Espinho a minha irmã Cristina e o meu irmão Vítor, bem como a Paula, companheira e "guia" do Vítor, além do meu irmão José Manuel Messias. Embora não tendo percorrido as fragas do "Caminho da Aventura", por lesão então sofrida, o Zé Manel esteve lá sempre connosco, em pensamento; agora, ainda no rescaldo da lesão ... fez de nosso "motorista"...J. Quanto aos irmãos Araújo e Anabela ... já ambos conhecem o recanto do paraíso que eu adoptei e me adoptou ... há mais de quatro décadas. E, todos ... muitas mais vezes havemos de lá voltar!

Da nascente do Côa a Vale de Espinho

Sábado, o "programa" que delineei para mostrar as "minhas" terras aos meus novos irmãos consistia no percurso da Serra das Mesas e Malcata, da nascente do Côa a Vale de Espinho. A previsão meteorológica esteve sempre muito preocupante ... mas S. Pedro, ou Hélio, Inti, Rá e outros deuses do Sol têm seguramente um pacto especial connosco, particularmente com a minha irmã Cristina...J! Tanto sábado como domingo ... tivemos dois esplêndidos dias para caminhar, inclusive, sábado, com uma bela tarde de Sol e uma bela manhã de domingo!

Disjunção do granito na Serra das Mesas, junto à nascente do Côa



No cume da Serra das Mesas (1256m alt.),
sobre os Llanos de Navasfrias
E ao fundo ... o "meu" Xalmas (cume ocidental da Serra da Gata, 1487m alt.)
O "meu" Xalmas, como bom deus vetão das águas, irrigou mais uma vez todas estas terras ... nos dias anteriores à nossa visita. Da nascente do Côa, as águas corriam céleres serra abaixo, fazendo ecoar o gemido daquele ser, que quis nascer do ventre das Mesas. Na vertente leste, sobre os Llanos de Navasfrias, nasce o Águeda ... também ele irmão, gémeo do Côa.

Cancheira do Lameirão
No ventre das Mesas
ouviu-se um gemido
de um ser que quis nascer
e correr serra abaixo ...
(Bernardino Henriques, "Poemas da Terra")     

Serra! Serra Mãe, Serra Dor, Serra Pão,
Traço de união entre irmãos da mesma luta!
Do teu ventre brota a voz do passado
E um sussuro magoado
ecoa pelos ares, a contar histórias ...
(Amélia Rei, "Frias Madrugadas")     

Na antiga Caseta dos Carabineiros,
Serra das Mesas
A velha Caseta dos Carabineiros deixou-nos vogar nas asas da imaginação, para as frias madrugadas em que já ali fui ver o Sol raiar; para as histórias do contrabando, naquela raia de todas as dores e de todos os medos; para as Torres das Ellas e as estórias de Fernán Centeno, senhor de Peñaparda, que do seu castelo de Rapapelo assolou no séc. XV grande parte destas terras; para as lendas perdidas da Serra da Marvana, que tínhamos a sudoeste; para os amores de Fernando e Beatriz, os jovens enamorados que o malogrado pároco de Valverde del Fresno casou em segredo na Marvana, assassinado no regresso às mãos do bando de Narciso Flores, o Montejo. Curiosamente, a mana Cristina sentiu uma espécie de chamamento por aquela Serra, a da Marvana, que lá estava no horizonte, como que a dizer-lhe, se calhar ... que já houve uma "Rosa da Montanha" (romance de António José de Carvalho, 1871).

Da Caseta dos Carabineiros subimos ao Barroco Rachado

(Foto à direita: Cristina Ferreira)        
A caminho do Cancho So
Sobre Valverde del Fresno. "Quem me dera ser grifo"...
Ao longo da cumeada da Pedra Monteira e do Piçarrão, prosseguimos à vista dos férteis vales de Sobreiro e Pesqueiro, descendo para o Côa pela antiga casa florestal do Canto da Ribeira.

Casa do Canto da Ribeira em tons de outono...
... e "catedrais" verdes...
De forma a evitar a zona certamente muito alagada junto à foz da Ribeira das Colesmas, fizemos um pequeno corta mato mais acima, entre aquela e o Ribeiro Salgueiro. Mesmo assim ... houve que saltitar de tufo em tufo...J
Travessia da Ribeira das Colesmas e do Ribeiro Salgueiro. E aqui almoçámos, com estes fabulosos verdes em fundo!
Antes das duas da tarde estávamos na margem esquerda do Côa, nas Braciosas. O percurso até ao Moinho dos Pecas foi um desbobinar de belas imagens ribeirinhas, com os tons de outono a dominar.

Ainda há cabras, para os belos queijos raianos!
E chegamos ao Côa
Açudes do Côa ... a arte da água e da pedra... (Foto superior: Cristina Ferreira)
Moinho dos Pecas
Estávamos quase em Vale de Espinho. Abedoeiros, o Engenho, as Veigas ... a velha Ponte! Entretanto, a minha pequena arraiana e o nosso lesionado "motorista" juntaram-se a nós no Pontão do Pisão.
Vale e foz da Ribeira dos Abedoeiros
Ao longo
do Côa
O velho Moinho do Engenho ... ou a velha fábrica de mantas ... ou "fábrica" da luz...
E chegamos à velha Ponte "romana" de Vale de Espinho
E, claro ... não podia deixar de mostrar aos meus irmãos o lugar de beira-Côa ao qual, sem saber explicar porquê, mais me liguei, mais me atrai: o Moinho do Rato.
Moinho do Rato ... onde "de repente damo-nos conta que
não envelhecem"
envelhecemos, a ver envelhecer estas pedras que
(Sérgio Paulo Silva)


Romagem ao "santuário" das Fontes Lares

Domingo, a caminhada não poderia ser longa, já que havia que regressar às bases dos meus "irmãos" que não estão ainda na "profissão" em que me encontro há já mais de 6 anos...J. Onde os levaria? Evidentemente ... a um local onde só levo pessoas especiais ... onde há um carvalho secular ... um barroco "sagrado" ... uma água "divina" ... umas ruínas de uma casa cujas pedras cantam e contam histórias e estórias ... lá "nas terras de onde se contam velhas lendas, quase negras" ... como canta o Sebastião Antunes na sua e "minha" "Fraga". Estou a falar, evidentemente ... das Fontes Lares; do local que, em Março último, escolhi para "sepultura" de umas minhas velhas botas ... que palmilharam "léguas sem fim"...

Vale de Espinho, 23 de Novembro, 9:35h - Vai começar nova "romagem"...

Pelo velho caminho dos "Nheres"
... chegamos ao "santuário" das Fontes Lares
Recolhendo a água "divina"...
E lá estão elas para a eternidade ... as "minhas velhas botas,cardadas" ... que "palmilharam léguas sem fim"...
Ai se este barroco "sagrado" falasse! Dele emanam histórias de vida, energia, força, união ... VIDA!

Obrigado deus Sol, deus das árvores,
deus das rochas ... deus da VIDA!      
Se existe um Paraíso ... este é um deles...
Terei transmitido aos meus "irmãos" alguma da magia deste lugar mágico? Creio que sim! A minha ligação a estas terras que um dia adoptei e me adoptaram, a força telúrica que delas emana ... reforçou ainda mais os laços que ligavam estes "irmãos", que um dia se puseram a Caminho de Santiago ... que viverão ainda muitas outras "aventuras" ... por fragas e pragas...J.

Mais um adeus aos "meus" campos das Fontes Lares ...
Quadros de Outono, no regresso a Vale de Espinho
Vale de Espinho ... e só depois começaria a chover...
E como todo o fim de semana foi de "magia", as previsões de chuva e aguaceiros que nos haviam preocupado, transformadas como já referido em duas maravilhosas jornadas até soalheiras ... concretizaram-se mal acabámos o regresso. À hora do almoço - na TrutalCôa, pois claro... - e no regresso a Lisboa ... grossas bátegas de água caíram ... como que a dizer-nos que a benesse tinha sido propositada para a "descoberta" das terras da raia pelos meus "irmãos" que ainda as não conheciam...J.

Ver álbum completo

Sem comentários: