Quando iniciei este blogue (e já lá vão quase quatro anos...), chamei aos dois anos da minha juventude compreendidos entre Novembro de 1970 e Dezembro de 1972 ... os "
anos loucos". Quinze acampamentos, quarenta e nove noites de campo, dezassete actividades espeleológicas, nove actividades de mergulho, com um deles a 65 metros de profundidade, uma travessia da África austral num VW "carocha", um campo de trabalho ... preencheram bem aqueles dois "
anos loucos"...
J
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Sobre os Foios, 22.Nov.2014, 8:33h |
Quarenta anos depois, essencialmente desde Janeiro de 2012 ... poder-se-ia dizer que os "anos loucos" regressaram em força...
J. Com outra maturidade, mas nos últimos menos de três anos palmilhei mais de 3700 km a pé ... tantos quantos nos 7 anos anteriores, desde que tenho registos, em quase centena e meia de "aventuras", a solo ... mas também com muitos e bons amigos! Muitos e bons outros apaixonados, como eu, pelos grandes espaços, pelos grandes desafios!
E vem tudo isto a propósito, precisamente, de esta paixão pela vida ao ar livre me ter trazido, para além dos meus "velhos" Caminheiros Gaspar Correia ... outros bons e grandes amigos, cujos laços se fortalecem à "esquina" de cada nova "aventura", ao ultrapassar e viver cada nova fraga! De entre estes bons e grandes amigos, particularmente aqueles que estiveram ligados ao inesquecível e indescritível "
Caminho da Aventura" (o "meu" Caminho de Santiago, a partir de Braga, em Julho passado) ... transformaram-se em autênticos irmãos ... tanto mais que dois deles também já tinham estado ligados à fabulosa "aventura" do
Monte Perdido Extrem!
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Perto da nascente do Côa, 22.Nov.2014 (Foto: Cristina Ferreira) |
E quem me estiver a ler há-de estar a perguntar ... mas o que tem isto a ver com a raia e com o
Côa? Pois bem: acontece que dos irmãos que estiveram ligados ao "
Caminho da Aventura" ... só dois não conheciam ainda as "minhas" terras de
Vale de Espinho, do
Côa, da raia. E assim, 15 dias depois de de lá ter voltado ... reuni no meu pequeno "retiro" de Vale de Espinho a minha irmã Cristina e o meu irmão Vítor, bem como a Paula, companheira e "guia" do Vítor, além do meu irmão José Manuel Messias. Embora não tendo percorrido as fragas do "
Caminho da Aventura", por lesão então sofrida, o Zé Manel esteve lá sempre connosco, em pensamento; agora, ainda no rescaldo da lesão ... fez de nosso "motorista"...
J. Quanto aos irmãos Araújo e Anabela ... já ambos conhecem o recanto do paraíso que eu adoptei e me adoptou ... há mais de quatro décadas. E, todos ... muitas mais vezes havemos de lá voltar!
Da nascente do Côa a Vale de Espinho
Sábado, o "programa" que delineei para mostrar as "minhas" terras aos meus novos irmãos consistia no percurso da
Serra das Mesas e
Malcata, da nascente do
Côa a
Vale de Espinho. A previsão meteorológica esteve sempre muito preocupante ... mas S. Pedro, ou Hélio, Inti, Rá e outros deuses do Sol têm seguramente um pacto especial connosco, particularmente com a minha irmã Cristina...
J! Tanto sábado como domingo ... tivemos dois esplêndidos dias para caminhar, inclusive, sábado, com uma bela tarde de Sol e uma bela manhã de domingo!
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Disjunção do granito na Serra das Mesas, junto à nascente do Côa |
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No cume da Serra das Mesas (1256m alt.),
sobre os Llanos de Navasfrias |
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E ao fundo ... o "meu" Xalmas (cume ocidental da Serra da Gata, 1487m alt.) |
O "meu"
Xalmas, como bom deus vetão das águas, irrigou mais uma vez todas estas terras ... nos dias anteriores à nossa visita. Da nascente do
Côa, as águas corriam céleres serra abaixo, fazendo ecoar o gemido daquele ser, que quis nascer do ventre das
Mesas. Na vertente leste, sobre os
Llanos de Navasfrias, nasce o
Águeda ... também ele irmão, gémeo do
Côa.
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Cancheira do Lameirão |
No ventre das Mesas
ouviu-se um gemido
de um ser que quis nascer
e correr serra abaixo ...
(Bernardino Henriques, "Poemas da Terra")
Serra! Serra Mãe, Serra Dor, Serra Pão,
Traço de união entre irmãos da mesma luta!
Do teu ventre brota a voz do passado
E um sussuro magoado
ecoa pelos ares, a contar histórias ...
(Amélia Rei, "Frias Madrugadas")
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Na antiga Caseta dos Carabineiros, |
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Serra das Mesas |
A velha
Caseta dos Carabineiros deixou-nos vogar nas asas da imaginação, para as frias madrugadas em que já ali fui ver o Sol raiar; para as histórias do contrabando, naquela raia de todas as dores e de todos os medos; para as
Torres das Ellas e as estórias de
Fernán Centeno, senhor de Peñaparda, que do seu castelo de Rapapelo assolou no séc. XV grande parte destas terras; para as
lendas perdidas da Serra da Marvana, que tínhamos a sudoeste; para os amores de Fernando e Beatriz, os jovens enamorados que o malogrado pároco de
Valverde del Fresno casou em segredo na
Marvana, assassinado no regresso às mãos do bando de Narciso Flores, o Montejo. Curiosamente, a mana Cristina sentiu uma espécie de chamamento por aquela Serra, a da
Marvana, que lá estava no horizonte, como que a dizer-lhe, se calhar ... que já houve uma "
Rosa da Montanha" (romance de António José de Carvalho, 1871).
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Da Caseta dos Carabineiros subimos ao Barroco Rachado
(Foto à direita: Cristina Ferreira)
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A caminho do Cancho So |
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Sobre Valverde del Fresno. "Quem me dera ser grifo"... |
Ao longo da cumeada da
Pedra Monteira e do
Piçarrão, prosseguimos à vista dos férteis vales de
Sobreiro e
Pesqueiro, descendo para o
Côa pela antiga casa florestal do
Canto da Ribeira.
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Casa do Canto da Ribeira em tons de outono... |
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... e "catedrais" verdes... |
De forma a evitar a zona certamente muito alagada junto à foz da
Ribeira das Colesmas, fizemos um pequeno corta mato mais acima, entre aquela e o
Ribeiro Salgueiro. Mesmo assim ... houve que saltitar de tufo em tufo...
J
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Travessia da Ribeira das Colesmas e do Ribeiro Salgueiro. E aqui almoçámos, com estes fabulosos verdes em fundo! |
Antes das duas da tarde estávamos na margem esquerda do
Côa, nas
Braciosas. O percurso até ao
Moinho dos Pecas foi um desbobinar de belas imagens ribeirinhas, com os tons de outono a dominar.
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Ainda há cabras, para os belos queijos raianos! |
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E chegamos ao Côa |
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Moinho dos Pecas |
Estávamos quase em
Vale de Espinho.
Abedoeiros, o
Engenho, as
Veigas ... a velha
Ponte! Entretanto, a minha pequena arraiana e o nosso lesionado "motorista" juntaram-se a nós no
Pontão do Pisão.
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Vale e foz da Ribeira dos Abedoeiros |
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Ao longo |
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do Côa |
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O velho Moinho do Engenho ... ou a velha fábrica de mantas ... ou "fábrica" da luz... |
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E chegamos à velha Ponte "romana" de Vale de Espinho |
E, claro ... não podia deixar de mostrar aos meus irmãos o lugar de beira-Côa ao qual, sem saber explicar porquê, mais me liguei, mais me atrai: o
Moinho do Rato.
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Moinho do Rato ... onde "de repente damo-nos conta que
não envelhecem"
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envelhecemos, a ver envelhecer estas pedras que
(Sérgio Paulo Silva)
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Romagem ao "santuário" das Fontes Lares
Domingo, a caminhada não poderia ser longa, já que havia que regressar às bases dos meus "irmãos" que não estão ainda na "profissão" em que me encontro há já mais de 6 anos...
J. Onde os levaria? Evidentemente ... a um local onde só levo pessoas especiais ... onde há um carvalho secular ... um barroco "sagrado" ... uma água "divina" ... umas ruínas de uma casa cujas pedras cantam e contam histórias e estórias ... lá "
nas terras de onde se contam velhas lendas, quase negras" ... como canta o Sebastião Antunes na sua e "minha" "
Fraga". Estou a falar, evidentemente ... das
Fontes Lares; do local que, em Março último, escolhi para "
sepultura" de umas minhas velhas botas ... que palmilharam "
léguas sem fim"...
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Vale de Espinho, 23 de Novembro, 9:35h - Vai começar nova "romagem"... |
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Pelo velho caminho dos "Nheres"
... chegamos ao "santuário" das Fontes Lares
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Recolhendo a água "divina"... |
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E lá estão elas para a eternidade ... as "minhas velhas botas,cardadas" ... que "palmilharam léguas sem fim"... |
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Ai se este barroco "sagrado" falasse! Dele emanam histórias de vida, energia, força, união ... VIDA! |
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Obrigado deus Sol, deus das árvores,
deus das rochas ... deus da VIDA!
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Se existe um Paraíso ... este é um deles... |
Terei transmitido aos meus "irmãos" alguma da magia deste lugar mágico? Creio que sim! A minha ligação a estas terras que um dia adoptei e me adoptaram, a força telúrica que delas emana ... reforçou ainda mais os laços que ligavam estes "irmãos", que um dia se puseram a Caminho de Santiago ... que viverão ainda muitas outras "aventuras" ... por fragas e pragas...
J.
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Mais um adeus aos "meus" campos das Fontes Lares ... |
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Quadros de Outono, no regresso a Vale de Espinho |
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Vale de Espinho ... e só depois começaria a chover... |
E como todo o fim de semana foi de "magia", as previsões de chuva e aguaceiros que nos haviam preocupado, transformadas como já referido em duas maravilhosas jornadas até soalheiras ... concretizaram-se mal acabámos o regresso. À hora do almoço - na
TrutalCôa, pois claro... - e no regresso a Lisboa ... grossas bátegas de água caíram ... como que a dizer-nos que a benesse tinha sido propositada para a "descoberta" das terras da raia pelos meus "irmãos" que ainda as não conheciam...
J.
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