quinta-feira, 14 de agosto de 2014

À conquista da Serra de Gredos...

Em Abril de 1999 - há 15 longos anos - fiz com a minha "pequena arraiana" uma primeira incursão na Serra de Gredos; a muita neve não nos permitiu contudo chegar sequer à Laguna Grande. Depois, há bem menos tempo, em Janeiro de 2013, curiosamente com muito pouca neve ... avistei o Pico Almanzor dos mais de 2400m de altitude dos cumes da Serra de Béjar.
11.08.2014 - Vai começar a subida ... à conquista de Gredos
Ora, há muito que Gredos me chamava. Alcançar os quase 2600 metros do Pico Almanzor era o objectivo principal ... mas o restante circuito, que acabei de conhecer em três fabulosos dias, acabou por relegar a subida àquele emblemático cume para isso mesmo: emblemático. As panorâmicas, a sensação de liberdade e de pertença à montanha, encontrei-as e saboreei-as mais na Portilla de las Cinco Lagunas, por exemplo, no espectacular sobe e desce permanente, nas cores da água daquelas lagoas glaciárias, na fabulosa panorâmica do Pico Morezón sobre o Circo de Gredos, na espectacular descida que acompanha o barranco do Mananzial de Las Pozas, na própria dureza dos trilhos ... num autêntico reino de pedra e de cortes profundos, pela mão da água.

Prado de Las Pozas, 1920m alt.
A "porta" de entrada no coração de Gredos é na pequena aldeia de Hoyos del Espino, de onde se acede à chamada Plataforma, situada já acima dos 1700 metros de altitude. Ali termina a estrada ... ali começa a "aventura"...! Depois de uma viagem de 500 km desde Lisboa ... passava já das quatro e meia da tarde quando começámos a subida. Três quilómetros e uma hora depois, ultrapassávamos os 2000 metros, chegando pouco depois à Fuente de los Cavadores, de bela e apetitosa água fresca, e ao ponto cimeiro desta caminhada de abordagem, aos 2180 metros. O trilho passa a debruçar-se para a Garganta de Gredos, imenso barranco vindo da Laguna Grande, que se situa no fundo do impressionante Circo glaciar dominado pelo Almanzor. Nesta descida de Los Barrerones ... surgiram-nos imponentes os dois primeiros exemplares de cabra montês de Gredos (Capra pyrenaica).


E em Gredos ... somos brindados
com as cabras selvagens e os corços!
Laguna Grande e Circo de Gredos
Três horas e pouco de caminho ... e estávamos no Refúgio Elola, que nos iria receber para as duas noites seguintes. A experiência de refúgios de montanha transportou-me no tempo para a aventura do Monte Perdido Extrem. Para a minha arraianazinha, contudo, foi o baptismo desta vivência de camaratas comunitárias, da privação dos "luxos" de água quente, ou mesmo de papel higiénico nos sanitários; ria-se a bom rir...! O Refúgio Elola é no entanto uma referência em Gredos, base para a maioria das "aventuras" que melhor caracterizam o coração da Cordilheira Central Ibérica.



As nossas instalações no Refúgio Elola
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À conquista do Almanzor
Terça feira era o grande dia da "conquista" dos quase 2600 metros de altitude do Almanzor. Dominando o Circo de Gredos, o cume situa-se bem perto do Refúgio Elola ... 650 metros acima dele...! Dada a dureza da jornada que se esperava ... a "aventura" foi feita a solo; a minha pequena teve, portanto, um dia de completo descanso no refúgio.

12.08, 7:40h - O Almanzor acorda com os tons da manhã que desponta...
O astro rei nasce sobre os altos do Morezón
Há que subir...
A caminho da Portilla del Crampón (2544m alt.)
Do Refúgio Elola ao cume do Almanzor são sensivelmente 2 km; inclinação média ... 32% ... com troços a ultrapassar os 45%. Estamos no reino da pedra, com as agulhas graníticas dos Hermanitos e Las Navajas apontadas ao céu. Ao chegar à Portilla del Crampón ... o horizonte abre-se para poente; ao fundo, a Serra de Béjar ... e adivinham-se as "minhas" serras da Gata e das Mesas...

Portilla del Crampón (2544m alt.): o Cuerno del Amanzor em primeiro plano e a Serra de Béjar ao fundo
O "ataque" final ao Almanzor ... é com tracção aos 4 membros! Por estreitos corredores entre as rochas e usando pequenas escarpas para subir, chegamos ao pequeno cume, a 2592 metros de altitude, onde 4 pessoas cabem dificilmente. Estava conquistado o Pico mais alto da Cordilheira Central Ibérica ... estava derrotado o "mouro" Almanzor!

Cume do Almanzor, 2592m alt.
Vista aérea...
Do Almanzor às Cinco Lagunas
Uma vez conquistado o Almanzor, passada a cumeada do Venteadero havia duas hipóteses: regressar à Laguna Grande descendo ao Ameal del Pablo e pelo Canal de los Geógrafos ... ou prosseguir para norte, tentando chegar às Cinco Lagunas, o outro grande circo glaciário do maciço de Gredos. Adivinha-se qual a opção tomada ... e em boa hora a tomei. Tratou-se de um percurso bem duro, mas fabuloso!

E afasto-me do Almanzor, rumo a noroeste
Pouco depois do meio dia estava assim a subir o Pico del Gütre, passando ao lado da Galana, que, com os seus 2572 metros, é o segundo cume de Gredos. Pouco mais baixo (2549m), o Pico del Gütre é contudo um espectacular miradouro natural para o circo lagunar, desde a próxima e mais alta Laguna del Gütre às Cinco Lagunas propriamente ditas: Cimera, Galana, Mediana, Brincalobitos e Bajera.

Pico de La Galana (2572m alt.)
Cinco Lagunas, vistas do Pico del Gütre (2549m alt.)
Descer ou não às Cinco Lagunas era outra opção a tomar. Na vertente por baixo de mim havia um neveiro bem inclinado ... nada convidativo ... mas a análise da carta topográfica no GPS dizia-me que ligeiramente mais a noroeste tinha uma portilla por onde talvez fosse possível descer ... mais de 300 metros de desnível em menos de 500 metros...! Um grupo de 4 espanhóis que seguiam para poente confirmou-me essa possibilidade, e com eles fui até à Portilla de Las Cinco Lagunas ... uma autêntica plataforma para "mergulhar" directamente para as lagoas!

Não era a mim
que procuravam...
Portilla de Las Cinco Lagunas, 2360m alt. ... de onde se "mergulha" sobre o Circo lagunar
Dez minutos depois das duas da tarde estava nas margens da Laguna Cimera. A cor e a transparência das águas, o reflexo das montanhas contra o azul do céu ... toda aquela envolvência me levava mais uma vez às palavras de Pessoa ... "do vale à montanha, da montanha ao monte, cavalo de sombra, cavaleiro monge, por penhascos pretos, atrás e defronte, caminhais secretos"...

A beleza selvagem das Cinco Lagunas
Ao fundo da Laguna Bajera, a 2050 metros de altitude ... esperava-me uma autêntica "montanha russa" de regresso ao Refúgio Elola. Sabia que tinha de voltar a subir aos 2350 metros da Portilla del Rey ... mas só ao olhar para a vertente à minha frente tive a noção da real inclinação: os 300 metros de desnível, em pouco mais de 500 metros de subida, por cascalheira resvaladiça ... levaram-me o melhor de uma hora! Mas, mais uma vez, a panorâmica sobre as lagunas e, ao chegar à portilla, para o vale do Gargantón ... compensam largamente o esforço.

Subida para a Portilla del Rey, 2320m alt.

Praderas del Gargantón
Atravessado o Gargantón ... nova subida para o Cerro de los Huertos, de onde começo a avistar a Laguna Grande. E às seis da tarde, com apenas 11 km percorridos em 9 horas de caminhada, estava de regresso ao "nosso" refúgio ... onde a minha arraiana me esperava com alguma ansiedade, já que o helicóptero que eu havia avistado tinha sido afinal para resgate de um acidentado na montanha.

Regresso ao Refúgio Elola, com 9 horas de caminhada e mais de 2000 metros de desnível acumulado...
Regresso à Plataforma de Gredos, pelos Altos del Morezón
O terceiro dia de Gredos era o do regresso ... mas no regresso à Plataforma, onde o carro havia ficado, ainda havia tempo para subir aos Altos del Morezón, a leste da Laguna Grande. Informações recolhidas aqui e ali na net, indicavam-me ser aquela cumeada a de melhores panorâmicas sobre o Circo de Gredos ... informações que se vieram plenamente a confirmar.

13.08, um novo dia... 7:35h - A Lua ainda está activa sobre o Almanzor
Assim, pouco depois das oito e meia da manhã deixámos o Refúgio Elola, pelo caminho feito dois dias antes, até à zona dos Barrerones. Aí, enquanto a minha pequena arraiana seguiu directamente o caminho da plataforma, eu inflecti para sudeste ... subindo nova vertente pedregosa e íngreme. E com cerca de hora e meia de marcha, estava de novo a 2366 metros de altitude, num autêntico miradouro natural para a Laguna Grande, o Circo de Gredos e o Almanzor; lá em baixo, junto à lagoa, lá estava de novo o Refúgio que nos tinha servido de guarida. Para leste, a panorâmica abria-se a perder de vista, percebendo-se ao longe as alturas da Serra de Guadarrama.

Despedida da Laguna Grande
De novo o Circo de Gredos e o Refúgio Elola,, do cume do Morezón (2366m alt.)
E ao fundo, a nascente, a Serra de Guadarrama
E quando eu pensava que a partir do Morezón seria só a descida simples ao encontro do caminho da Plataforma ... eis que se me depara uma vertente lindíssima, a Cuerda del Refugio del Rey, que acompanha o Mananzial de Las Pozas, a zona mais verde e mais rica em água das várias que atravessei.

Cabras selvagens de Gredos, em Navasomera
Descida do fabuloso vale do Mananzial de las Pozas
Regresso à Plataforma de Gredos, 2 dias depois ... com a alma e a vista cheias...
Quinze minutos depois das dez horas estava no caminho da Plataforma; quinze minutos mais e cheguei ao estacionamento ... onde a minha arraianazinha ainda não tinha chegado. Calmamente, ao ritmo dela, veio a apreciar o caminho feito dois dias antes em sentido contrário ... e às 11 horas estávamos juntos e a terminar esta espectacular incursão pela Serra de Gredos ... que muitos mais trilhos tem para nos mostrar...

Serra de Gredos
(álbum completo)
Um último adeus a Gredos, já da estrada para El Barco de Ávila. O Almanzor destaca-se imponente.
De Gredos e em pouco mais de duas horas ... viemos para as terras raianas da nossa Vale de Espinho!

1 comentário:

joaquim Gomes disse...

Mais uma aventura caro amigo....gostei muito de ler as tuas crónicas e ver as fotografias desse belo lugar.....pode ser que um dia o possa visitar....um abraço para os dois...deste vosso amigo.

J.Gomes