quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Quando as terras do Côa recebem uma "embaixatriz" do Gerês...

"A vida afectiva é a única que vale a pena. A outra apenas serve para organizar na consciência o processo da inutilidade de tudo."                               (Miguel Torga)
Em 2011, já lá vão mais de dois anos, a minha paixão pelo Gerês - a minha segunda "terra natal"... - trouxe-me o convívio e a amizade de quem conhece o Gerês como ninguém, que respira o amor pelas montanhas ... "esse amor que de todas as vezes que se lá vai… dá… só dá… porque é na dádiva que a gente mais sente prazer…" ... de quem transpira uma "alma de montanhista".
Vale de Espinho, 4.Nov.2013, 10:30h
As terras do Côa recebem uma "embaixatriz" do Gerês...
Já várias vezes a referi nestes meus escritos, já me guiou na sua Serra "mágica", ainda há bem pouco me acompanhou nos Caminhos de Fátima. E como a amizade e a partilha é efectivamente a única vida que vale a pena ... já várias vezes a havia desafiado para vir conhecer a minha primeira "terra natal", as "minhas" terras da raia Sabugalense, a magia da Malcata, as cores e reflexos do Côa, os sons e os cheiros da "minha" Vale de Espinho. E assim, durante três dias e meio ... a "White Angel" esteve comigo e com a minha pequena arraiana no nosso "retiro espiritual" ... e conheceu as encostas das Mesas e da Malcata, as barrocas por onde correm as águas que alimentam o Côa, as alturas que dominam as terras transcudanas; outras terras ... outras gentes...
Segunda feira, a "descoberta" das terras do Côa começou por um lugar "mágico" ... as "minhas" Fontes Lares! Pela velhinha quelhe das pedras, o "anjo branco" do Gerês conheceu a velha casa, a fonte de água pura e cristalina, a velha presa ... o barroco "sagrado".

No velhinho barroco "sagrado" das Fontes Lares, onde se sente a energia das terras e das memórias...
Na velha Ponte de Vale de Espinho, o Côa leva as águas e traz as recordações
Nesse dia à noite, um "rapaz" de Vale de Espinho encontrou-nos casualmente ... e logo ali brotou um poema ... feito à medida dos olhos e da alma de uma montanhista...
Eu vi os seus olhos cravejados nos meus,
Quando ontem à noite lhe disse um poema dos meus.
Foi debaixo do meu céu,


(Um "rapaz" de Vale de Espinho...)
do céu da minha aldeia,
onde eu creio que só existe Deus.
A calçada debaixo dos meus pés
olhou p'ra mim e sorriu.
E o silêncio?...
E a voz do chafariz que estava ao redor,
calou a sua voz para ver se escutava o que estava a dizer.
É sempre assim quando passo ao anoitecer...
Devagar, devagarinho...
Olhei de novo os seus olhos...
e abalei de mansinho.
Terça feira era dedicada ao "Rio Sagrado". Do "ventre das Mesas" a Vale de Espinho, da "Serra Mãe" aos velhos lameiros do Engenho e das Veigas, percorremos o curso da Grande Rota do vale do Côa, em cujo levantamento eu havia colaborado no início de Fevereiro.
Do Lameirão, subimos ao alto da Serra das Mesas
Serra! Serra Mãe, Serra Dor, Serra Pão,
Traço de união entre irmãos da mesma luta!
Do teu ventre brota a voz do passado
E um sussuro magoado
Ecoa pelos ares, a contar histórias
(Amélia Rei, escritora e poetisa fojeira)
Rio Sagrado

No ventre das Mesas
ouviu-se um gemido
de um ser que quis nascer
e correr serra abaixo ...
Llanos de Navasfrias e Serra do Espiñazo, do alto das Mesas
Eras tu, meu Rio Côa,
que querias ser gigante
e escolheste o teu caminho rasgando montes,
dormindo em vales fundos...
Na encosta do Cabeço dos Currais, após o prado da Barrosa, Fóios aparece-nos à vista!

E, hoje, sou eu que paro junto a ti,
penetro nesse templo sacrossanto do tempo que passou,
e contemplo esse andar tão lento de séculos e milénios
p’ra concluir que quase nada sou.
(Bernardino Henriques, escritor e poeta fojeiro)                 
Açudes do Côa,
entre Foios e Vale de Espinho
Com quase 18 km nos pés, a meio da tarde estávamos a entrar em Vale de Espinho, pelos lados do velho Engenho, que já foi moinho, que já foi fábrica de mantas, que já foi fábrica de luz...

Junto à Azenha dos Pecas,
Vale de Espinho
Lameiros do velho Engenho de Vale de Espinho, 5.11.2013
    Na aldeia que recebeu
a "deusa" do Gerês...     
Na terceira e última jornada pedestre desta "recepção" à "deusa" do Gerês ... voltámos à Serra das Mesas. E se na terça feira descemos dela ao longo do Côa, a manhã de quarta dedicámo-la às alturas da Cancheira do Lameirão, ao longo da linha de fronteira, por "bredas feitas à sorte" de quem calcorreava estas serras com os carregos do contrabando às costas ... por "terras de onde se contam velhas lendas, quase negras" ... pelas "minhas" terras raianas...

Entrega aos "deuses", na Carambola, 6.11.2013
As panorâmicas para o mar de nuvens que pairavam sobre terras extremeñas, a velha ruína da Caseta dos Carabineiros, o Barroco Rachado, percorremos toda aquela cumeada numa bela e soalheira manhã, a pedir um regresso. Das Torres das Ellas pareciam sair fumos mágicos, envolvendo e guardando os segredos de Fernán Centeno, do barroco do raio, da fonte do tesouro...

Mar de nuvens na Extremadura espanhola...
Na velha Caseta dos Carabineiros
Meditação...
Pas de deux, no Barroco Rachado...
"Segurando" o
Barroco Redondo
À tarde, faltava levar a "embaixatriz" a outro local mágico das terras de Vale de Espinho e do Côa: o Moinho do Rato. Seria a despedida ... mas não seria um adeus, apenas um até breve...!

Moinho do Rato, Vale de Espinho, 6.11.2013
"E de repente damo-nos conta que envelhecemos, a ver envelhecer estas pedras que não envelhecem..."
(Sérgio Paulo Silva)
Magia, nas
águas do Côa
E ... é o regresso. Mas não vai ser um adeus ... é só um até breve...
Muito ficou por mostrar, nas "minhas" terras da Malcata, do Côa, do Águeda, do Bazágueda ... como muito me falta calcorrear nas terras "mágicas" do Gerês! Pelo menos para mim e para a "White Angel" que veio conhecer a Transcudânia ... o Gerês e as terras da raia passaram a ser terras gémeas, geminadas por uma paixão comum, por almas que sentem e vivem os grandes espaços ... por almas de montanhistas...
Ver álbum completo
Sentei à beira do Côa,
Queria ouvir a sua voz.
Mas não era algo dito à toa,
Queria ouvir algo que saísse de dentro de nós.
Ouvi os ribeiros a cantarem,
E vi os montes a dançarem
Um pássaro ali passou,
E minha alma clamou…
Clamou um poema que se apoderou do meu ser,
e me acompanhou como sempre até ao anoitecer…


"White Angel"    

2 comentários:

Isaura disse...

adorei esta viagem, obrigada.
poste no face no grupo de meditação ao encontro da alma luzitana.
beijinhossss

Sight disse...

É um prazer ler e reler estas linhas. Adivinha-se a íntima cumplicidade com a montanha e ruralidade circundante.

Testemunho da grandiosidade da paisagem e dos homens e mulheres, que a sentem perto de si.
Agraço

(Rooibos)