sexta-feira, 30 de maio de 2025

Pelos tesouros da Eslovénia, Croácia e Bósnia Herzegovina

Ou uma viagem pela terra dos Sonhos... e das cicatrizes da guerra...

A 30 de agosto de 1967, com uns parcos 14 anitos feitos três dias antes, partia de Lisboa com os meus pais para mais uma das épicas viagens a que fiz referência na apresentação deste blog. Depois do Cabo Norte, Moscovo e tanto mais, o destino dessa vez era Istambul, com regresso pela Bulgária, Roménia e pela Jugoslávia de então... a amálgama de etnias, culturas e religiões que o Marechal Tito juntara numa República Federal Socialista.
Mostar, Ponte Turca, 19.09.1967 ... com 14 anos!
Dessa visita à Jugoslávia, ainda menino e moço, ficou-me sempre na memória a foto que aqui reproduzo, junto à Ponte Turca de Mostar. Mas, já a despertar para a Natureza, também me ficou a muita pena de não termos visitado o Parque Nacional de Plitvice - Nacionalni Park Plitvička jezera, em croata. Várias vezes idealizei conhecer aqueles famosíssimos lagos, cascatas e bosques... mas nos anos 90 do século passado o mundo assistiu à barbárie das guerras balcânicas e ao desmembramento de um país que nunca o foi. Em 2001, dez anos depois da guerra da independência, atravessei a jovem Eslovénia, na nossa fase autocaravanística... sonhando sempre conhecer um dia Plitvice, na Croácia. Em 2020 tínhamos um plano elaborado para uma digressão a quatro, em que iríamos conhecer aquele paraíso, além da costa da Dalmácia e da pérola do Adriático, Dubrovnik... também "esquecida" na minha viagem de menino. Mas em 2020... a pandemia trocou as voltas ao Mundo...
Mas o Universo é Inteligente! 30 anos depois das guerras balcânicas... 58 anos depois da minha
primeira e única passagem por terras croatas e bósnias... conheci finalmente aquele mítico recanto do Paraíso. E conheci-o numa viagem organizada pelos tesouros da Eslovénia, Croácia e Bósnia Herzegovina, num programa de 9 dias com um grupo dos "meus" Caminheiros Gaspar Correia e alguns amigos. Éramos 35, incluindo a minha "moçoila arraiana" e os nossos "manos velhos" Graça e Zeca, acompanhados permanentemente pela excelente guia Verónica Jechiu, da Pinto Lopes Viagens.
Saímos de Lisboa a umas madrugadoras seis e meia, em voo para Ljubljana, via Munique. A capital da Eslovénia foi o primeiro cartaz. De pouco me lembrava da visita de 2001, antes de o jovem país ser Comunidade Europeia e antes do Euro.
Aeroporto de Ljubljana, 22.05.2025, 12h30 - Chegámos com chuva, mas rapidamente se esbateu
Castelo medieval de Ljubljana, na margem direita do rio Ljubljanica, afluente do Sava
O rio Ljubljanica visto da ponte dos sapateiros (Cobbler's Bridge, ou Čevljarski most, em esloveno)
A Eslovénia foi sem dúvida uma muito boa surpresa. Em 2016, a Eslovénia foi o primeiro país a ser certificado pela organização Green Destinations como um "Destino Verde do Mundo". Quase 60% da sua superfície é coberta por florestas; mais de um terço do território esloveno está protegido, incluindo áreas da rede Natura 2000. No segundo dia do nosso tour balcânico, o programa incluiu duas maravilhas naturais de que nunca ouvira falar, as Grutas de Postojna e o Lago Bled.
Grutas de Postojna, 23.05.2025, 09h30 (Clique aqui para ver mais fotos)
Eu, que comecei as minhas "aventuras" pela Espeleologia, há 55 anos, fiquei deslumbrado, principalmente pela dimensão!
Castelo, Lago e Ilha de Bled, 23.05.2025. Maravilhado é pouco... é mais deslumbrado! O que ali vimos está seguramente entre as paisagens mais maravilhosas que os nossos olhos já viram.
Se a conseguir trazer de volta ainda ao colo...o casamento
Desembarque na Ilha de Bled. É tradição dos noivos que
escolhem casar aqui... o noivo levar a noiva ao colo ao longo
da escadaria que conduz à Igreja da Mãe de Deus do Lago.
dura. Não vimos ninguém experimentar... 🤣
Regresso a Bled, com o Castelo medieval onde almoçáramos sobranceiro ao Lago (mais fotos aqui)
Ao 3º dia de viagem passámos da Eslovénia à Croácia, com uma manhã dedicada a Zagreb, uma bonita e muito dinâmica capital, como que renascida das guerras balcânicas e do terramoto de 2020.
Fronteira esloveno/croata (onde nem se pára, ambos são UE) e Praça do Rei Tomislac, Zagreb, 24.05.2025, 11h10
Praça Ban Jelačić, com a nossa guia Katarina.
Em todas as visitas tivemos sempre guias locais
Trinta anos depois da guerra, a Croácia actual é um país bem vivo e dinâmico, bem como a sua capital, Zagreb. Mas a guerra da Croácia (1991/1995), frequentemente referida como a "Guerra da Pátria" (Domovinski rat) marcou um dos capítulos mais violentos da dissolução da Jugoslávia e teve um impacto significativo na história e na sociedade croata. Embora jovem, a nossa guia Katarina contou-nos uma deliciosa história: a avó era católica devota, com um grande crucifixo na parede da sala, mas o avô era comunista convicto... pelo que ao lado de Cristo havia uma grande fotografia do Marechal Tito!
Para nós, na tarde do mesmo dia a Zagreb seguiu-se a pequena vila de Rastoke, famosa pelas cascatas e moinhos de água no rio Slunjčica. A "pequena Plitvice", como também é conhecida.
Cascatas do rio Slunjčica, junto à vila de Rastoke, 24.05.2025, 18h15
Domingo, 25 de maio... era o dia para passar no Parque Nacional de Plitvice - Nacionalni Park Plitvička jezera. 58 anos depois de uma fugaz passagem pela então Jugoslávia... ia finalmente conhecer um dos mais importantes Parques Nacionais da Europa, Património Mundial da UNESCO desde 1979. O Parque é famoso pelo seu sistema de 16 lagos interligados por cascatas em constante mudança, devido ao crescimento natural das barreiras de travertino, tornando a paisagem dinâmica e em evolução. Os lagos exibem cores incrivelmente claras e vibrantes, variando entre o azul turquesa, verde esmeralda e cinza azulado, dependendo dos minerais presentes e da incidência da luz.
Descrever o que senti ao longo dos trilhos de Plitvice, descrever o deslumbramento destas imagens e sensações... não me parece possível! 58 anos depois ... concretizei o Sonho! Gracias a la Vida 🙏💖
Um camaraman e três meninas divertidas 😂
Percurso realizado, entre a pé, de barco e de "combóio"
25.05, 20h26: Ao fim do dia, em Zadar, chegávamos ao Adriático... e a um dos mais belos pores do Sol do Mundo
2ª feira 26: Zadar... costa da Dalmácia. Um dia quase inteiramente dedicado a esta maravilhosa cidade, debruçada sobre o Adriático. Ainda no domingo, ao pôr do Sol... fomos ouvir a música do mar, no "órgão do mar", um curioso sistema de tubos debaixo de água e que transformam o local num grande instrumento musical, tocado pelo vento e pela batida das ondas.
No "órgão do mar", Zadar, 26.05.2025, 10h40: onde o mar e o vento tocam música...
Destaque, em Zadar, para o antigo fórum romano, hoje uma espécie de museu arqueológico ao ar livre, a Catedral, popularmente conhecida por Sv. Stosija, fundada no séc. IX e reconstruída segundo os cânones do românico italiano, a Torre do Relógio, além da beleza do mar e das ilhas frente ao passeio marítimo. Zadar, sem dúvida uma excelente surpresa.
Forum romano e Torre, em Zadar. Ao fim da tarde... iria subir ao cume da Torre
Porto de Zadar, 26.05.2025, 14h40
Igreja de Santo
Donato
Panorâmica do alto da Torre, com a enseada e a Marina de Zadar
A cada dia o nosso tour balcânico se revelava uma maravilhosa mistura de atractivos naturais e históricos... além de uma festa de convívio e de Amizade entre todos 💖. Com duas noites em Solin, arrabalde de Split, o nosso sexto dia foi dedicado a esta última cidade e à de Trogir, verdadeiras jóias arquitectónicas, históricas e culturais. Cada dia, cada manhã, cada hora era uma surpresa!
Da janela do nosso alojamento em Solin, com vista para as montanhas dináricas, 27.05.2025, 07h35
Entrada em Trogir e Praça João Paulo II, 27.05.2025, 09h55
Porta sul das muralhas de Trogir e panorâmica da Čiovski most, a ponte que liga a cidade à ilha de Čiovo
E à tarde, na animada marginal de Split, ao longo das muralhas do Palácio de Diocleciano, 16h00
Património da Humanidade pela UNESCO, as origens da cidade de Split remontam aos séculos IV a II a.C. No coração da cidade antiga e testemunho significativo da presença romana, está o Palácio de Diocleciano, com os seus 1700 anos de história, a Catedral de S. Domnius, inicialmente construída para ser o mausoléu de Diocleciano, e o Templo de Júpiter.
Palácio de Diocleciano, Split,
27.05.2025, 16h10
Catedral de
S. Domnius
Gregório de Nin (Grgur Ninski), bispo croata do século X que ocupa um lugar profundo na história da nação, representando as lutas e os triunfos da identidade cultural e religiosa croata.
Narodni Trg, a Praça do Povo, Split, 17h30
Com o Sol a baixar sobre a Riva, a bela marginal de Split, 19h00
A descoberta da Costa da Dalmácia é como que um livro de História viva. 30 anos depois das últimas guerras balcânicas, encontrámos cidades bem desenvolvidas, cheias de história, de turismo e de vida.
A dinner by the seaside em Split... porque a Vida também é
feita de convívio... e gastronomia (Veja mais fotos aqui)
E ao 7º dia... entrávamos na Bósnia Herzegovina, rumo a Mostar. Era o dia em que ia repetir a foto de 1967, com que iniciei esta crónica, junto à Ponte Turca de Mostar. Fundada pelos turcos no séc. XV, a cidade é um ponto de encontro das culturas ocidental e oriental... e uma das zonas mais martirizadas durante a guerra da Bósnia. Mostar é contudo hoje, felizmente, uma cidade fervilhante de vida!
Rumo à fronteira da Bósnia e a Mostar, 28.05.2025, 09h30

58 anos depois, voltei a Mostar e à sua velha Ponte Turca, sobre o Neretva
Não sei se se notam diferenças entre as duas imagens...😜
Panorâmicas da Ponte Velha - Stari Most - sobre o Rio Neretva para sul e para norte
A Ponte Velha permaneceu firme durante 427 anos... até ser destruída em 9 de novembro de 1993, na Guerra da Bósnia. O Banco Mundial a UNESCO e outras instituições promoveram a sua reconstrução após o final da guerra, tendo sido reaberta em 23 de julho de 2004. O turismo é hoje a grande fonte da dinâmica da cidade. Embora a Bósnia não faça parte da zona Euro nem da União Europeia, ao contrário da Croácia e da Eslovénia, o euro é aceite em todo o lado, inclusive devolvendo o troco em euros. A moeda oficial é contudo o marco bósnio (KM), sensivelmente equivalente a 0,50 €
O grupo e as guias, numa Casa
Turca de Mostar, 12h30
O almoço foi num dos muitos restaurantes do
casco histórico... a que não faltou o café turco...
Foz do rio Radobolja, pequeno afluente do Neretva, aos pés da Ponte Velha de Mostar, 15h20 (Ver mais fotos aqui)
Mas o dia iria acabar em Dubrovnik, a "pérola do Adriático", de novo na Croácia. A Bósnia possui apenas uma estreita faixa de acesso ao mar, com pouco mais de 20 km, junto à pequena cidade de Neum. No final do Séc. XVII, a República de Ragusa (actual Dubrovnik) cedeu o "corredor de Neum" ao Império Otomano, em parte para impedir um maior fortalecimento da República de Veneza na região.
Neum, 28.05.2025, 17h45. Ao fundo, a Ponte de Pelješac, contornando o "corredor de Neum"
E com Dubrovnik à vista, última "escala" desta maravilhosa digressão balcânica
O imenso trânsito e as sinuosas estradas bósnias ditaram que levássemos cerca de três horas para percorrer os 150 km de Mostar a Dubrovnik, mesmo com a menor morosidade nas formalidades de fronteira, em relação à entrada matinal na Bósnia. Mas ao fim da tarde estávamos na "jóia da coroa" do litoral croata: Dubrovnik... a tal também "esquecida" na minha viagem de há quase seis décadas.
Dubrovnik: Porta Pile na manhã chuvosa de 29.05. A nossa guia faz a apresentação da sua cidade... e das marcas da guerra.
A cidade amuralhada de Dubrovnik tem duas portas de entrada e saída que permaneceram quase intactas desde a sua construção nos séculos XVI e XVII: a Porta de Pile e a Porta de Ploče. Cidade mártir na guerra pela independência, o cerco de Dubrovnik e os bombardeamentos massivos resultaram na destruição quase total da Cidade Velha, Património Mundial da UNESCO. Mas a velha Ragusa renasceu das cinzas, transformando-se numa encantadora cidade, que soube reconstruir-se e atrair os milhares de turistas que percorrem as suas ruas e as suas muralhas... palco das filmagens de "A Guerra dos Tronos" entre 2011 e 2018, o que teve um impacto significativo no turismo e na economia local.
Na Stari grad, ou cidade velha, a nossa guia Anika escolheu a Catedral para nos contar a sua vivência da guerra...
Sabermos que houve uma guerra é uma coisa... ouvirmos histórias contadas na primeira pessoa por quem a viveu é outra. O facto de Dubrovnik estar protegida pela Unesco fez crer que a guerra respeitaria a cidade amuralhada. Os habitantes não estavam
preparados para um ataque, não tinham exército e não receberam nenhum tipo de apoio internacional. As tropas sérvias atacaram a cidade e os arredores por terra, mar e ar, aproveitando a sua proximidade com a fronteira de Montenegro. O cerco e bombardeamento pelo Exército Popular Jugoslavo durou 8 meses - de 1 de outubro de 1991 a 31 de Maio de 1992 - e continua presente na mente de todos os sobreviventes. Cada um sobrevivia
como podia... se podia. A Anika contou-nos a história do que é ter fome... porque nada entrava nem saía das muralhas da cidade. Contou-nos como lutou para seguir em frente sempre que era possível. Sem dúvida um testemunho impressionante, que emocionou a maior parte do grupo. Trinta anos depois, é fácil diferenciar nas paredes, muralhas e telhados de Dubrovnik o que são materiais antigos e recentes, reconstruídos depois da guerra.
Palácio do Reitor e, ao fundo, a colina e miradouro de Srd, para o qual há um teleférico... que ficará para uma próxima vez...
Igreja de Santo Inácio
de Loyola
Muralhas noroeste
E mais um almoço de grupo... mais uma prova da gastronomia croata, 29.05.2025, 12h55
A manhã chuvosa tinha entretanto dado lugar ao Sol e até a algum calor. A parte da tarde era livre. Quem quisesse poderia ir às compras, visitar algum monumento ou museu que não tivéssemos visto... ou percorrer as velhas Muralhas de Dubrovnik. Apesar do preço algo elevado (40 €)... não pensei duas vezes... e não me arrependi. As muralhas são um verdadeiro símbolo da resistência e do desejo de liberdade que constantemente marcou a história de Dubrovnik. Percorrê-las, mesmo sabendo que poucas daquelas pedras são originais... é como viajar no tempo... é sentirmo-nos um pouco personagens de uma qualquer "Guerra dos Tronos"... sabendo contudo que a guerra não foi e não é coisa do passado... que a guerra não foi e não é uma história imaginária e ficcionada... sabendo que a guerra foi e é a peste das pestes... o exacerbar do pior da natureza humana. "In peace we trust"... como se lê nas muralhas da fantástica cidade de Dubrovnik... que mereceram que fizesse um vídeo especial.
Uma viagem no Tempo... ou um Sonho acordado. Ao longo das Muralhas de Dubrovnik
Como se vê no vídeo, embora separado das Muralhas, o Forte de S. Lourenço, ou Lovrjenac, também é de visita obrigatória (com o mesmo bilhete das muralhas)... e como fica a poente da cidade amuralhada... surgiu a hipótese de regressar a pé ao Hotel onde estávamos alojados, na península de Lapad. E assim, contando com o percurso matinal em grupo na Stari Grad e com os quase 3 km nas muralhas, a minha caminhada acabou por totalizar quase 14 km. E adorei este regresso a pé, bem como o fabuloso pôr do Sol que, já em grupo, fechou com chave de ouro os fins de dia deste périplo.
Baía de Uvala Lapad (duas primeiras fotos) e praia do extremo oeste da Península de Lapad
Percurso das Muralhas de Dubrovnik e de regresso
à Península de Lapad (ver no Wikiloc)
O fabuloso pôr do Sol na extremidade da Península de Lapad, 29.05.2025, 20h10
Bem... tudo tem um fim... mas antes do fim há quase sempre um epílogo. E o epílogo, para estes 36 amigos que se juntaram para um tour balcânico de 9 dias, foi um espectacular passeio de barco frente a Dubrovnik e ao seu espectacular litoral. Sim, 36... já que a nossa excelente guia Verónica Jechiu acompanhou-nos sempre... e 9 dias bastaram para a considerar uma amiga... com muita paciência para todos. Foram 9 dias fabulosos, em que conhecemos, convivemos e aprendemos! Gracias a la Vida!
Um adeus a Dubrovnik... visto do mar e da serra, 30.05.2025
(Ver mais fotos de Dubrovnik)
E aproximávamo-nos de casa. A norte de Zamora, 30.05.2025, 21h50