A 30 de agosto de 1967, com uns parcos 14 anitos feitos três dias antes,
partia de Lisboa com os meus pais para mais uma das épicas viagens a que fiz
referência na
apresentação
deste blog. Depois do Cabo Norte, Moscovo e tanto mais, o destino dessa
vez era Istambul, com regresso pela Bulgária, Roménia e pela
Jugoslávia de então... a amálgama de etnias, culturas e religiões que o
Marechal Tito juntara numa
República Federal Socialista.
Mostar, Ponte Turca, 19.09.1967 ... com 14 anos!
Dessa visita à Jugoslávia, ainda menino e moço, ficou-me sempre na memória a
foto que aqui reproduzo, junto à
Ponte Turca de Mostar. Mas, já a despertar para a Natureza, também me ficou a muita pena de não
termos visitado o
Parque Nacional de Plitvice
- Nacionalni Park Plitvička jezera, em croata. Várias vezes idealizei
conhecer aqueles famosíssimos lagos, cascatas e bosques... mas nos anos 90 do
século passado o mundo assistiu à barbárie das guerras balcânicas e ao
desmembramento de um país que nunca o foi. Em 2001, dez anos depois da guerra
da independência, atravessei a jovem Eslovénia, na nossa
fase autocaravanística... sonhando sempre conhecer um dia Plitvice, na Croácia. Em
2020 tínhamos um plano elaborado para uma digressão a quatro, em que iríamos
conhecer aquele paraíso, além da costa da Dalmácia e da pérola do
Adriático, Dubrovnik... também "esquecida" na minha viagem de menino.
Mas em 2020... a pandemia trocou as voltas ao Mundo...
Mas o Universo é Inteligente! 30 anos depois das guerras balcânicas... 58 anos
depois da minha
primeira e única passagem por terras croatas e bósnias... conheci finalmente
aquele mítico recanto do Paraíso. E conheci-o numa viagem organizada pelos
tesouros da Eslovénia, Croácia e Bósnia Herzegovina, num programa de 9 dias
com um grupo dos "meus"
Caminheiros Gaspar Correia
e alguns amigos. Éramos 35, incluindo a minha "moçoila arraiana" e os nossos
"manos velhos" Graça e Zeca, acompanhados permanentemente pela excelente guia
Verónica Jechiu, da
Pinto Lopes Viagens.
Saímos de Lisboa a umas madrugadoras seis e meia, em voo para
Ljubljana, via Munique. A capital da Eslovénia foi o primeiro
cartaz. De pouco me lembrava da visita de 2001, antes de o jovem país ser
Comunidade Europeia e antes do Euro.
Aeroporto de Ljubljana, 22.05.2025, 12h30 - Chegámos com chuva,
mas rapidamente se esbateu
Castelo medieval de Ljubljana, na margem direita do rio
Ljubljanica, afluente do Sava
O rio Ljubljanica visto da ponte dos sapateiros (Cobbler's Bridge, ou Čevljarski most, em esloveno)
A Eslovénia foi sem dúvida uma muito boa surpresa. Em 2016, a Eslovénia
foi o primeiro país a ser certificado pela organização
Green Destinations
como um "Destino Verde do Mundo". Quase 60% da sua superfície é coberta por
florestas; mais de um terço do território esloveno está protegido, incluindo
áreas da rede Natura 2000. No segundo dia do nosso tour balcânico, o
programa incluiu duas maravilhas naturais de que nunca ouvira falar, as
Grutas de Postojna
e o Lago Bled.
Grutas de Postojna, 23.05.2025, 09h30 (Clique
aqui
para ver
mais fotos) Eu, que comecei as minhas "aventuras" pela Espeleologia, há 55
anos, fiquei deslumbrado, principalmente pela dimensão!
Castelo, Lago e Ilha de Bled, 23.05.2025. Maravilhado é pouco... é mais deslumbrado! O que ali
vimos está seguramente entre as paisagens mais maravilhosas que os
nossos olhos já viram.
Se a conseguir trazer de volta ainda ao colo...o casamento
Desembarque na Ilha de Bled. É tradição dos noivos que
escolhem casar aqui... o noivo levar a noiva ao colo ao longo
da escadaria que conduz à Igreja da Mãe de Deus do Lago.
dura. Não vimos ninguém experimentar... 🤣
Regresso a Bled, com o Castelo medieval onde almoçáramos
sobranceiro ao Lago (mais
fotos aqui)
Ao 3º dia de viagem passámos da Eslovénia à Croácia, com uma manhã
dedicada a Zagreb, uma bonita e muito dinâmica capital, como que
renascida das guerras balcânicas e do terramoto de 2020.
Fronteira esloveno/croata (onde nem se pára, ambos são UE) e Praça do
Rei Tomislac, Zagreb, 24.05.2025, 11h10
Praça Ban Jelačić, com a nossa guia Katarina.
Em todas as visitas tivemos sempre guias locais
Trinta anos depois da guerra, a Croácia actual é um país bem vivo e
dinâmico, bem como a sua capital, Zagreb. Mas a guerra da Croácia
(1991/1995), frequentemente referida como a "Guerra da Pátria" (Domovinski rat) marcou um dos capítulos mais violentos da dissolução da Jugoslávia e teve
um impacto significativo na história e na sociedade croata. Embora jovem, a
nossa guia Katarina contou-nos uma deliciosa história: a avó era católica
devota, com um grande crucifixo na parede da sala, mas o avô era comunista
convicto... pelo que ao lado de Cristo havia uma grande fotografia do Marechal
Tito!
Para nós, na tarde do mesmo dia a Zagreb seguiu-se a pequena vila de Rastoke,
famosa pelas cascatas e moinhos de água no rio Slunjčica. A "pequena
Plitvice", como também é conhecida.
Cascatas do rio Slunjčica, junto à vila de Rastoke, 24.05.2025,
18h15
Domingo, 25 de maio... era o dia para passar no
Parque Nacional de Plitvice
- Nacionalni Park Plitvička jezera. 58 anos depois de uma fugaz
passagem pela então Jugoslávia... ia finalmente conhecer um dos mais
importantes Parques Nacionais da Europa, Património Mundial da UNESCO desde
1979. O Parque é famoso pelo seu sistema de 16 lagos interligados por cascatas
em constante mudança, devido ao crescimento natural das barreiras de
travertino, tornando a paisagem dinâmica e em evolução. Os lagos exibem cores
incrivelmente claras e vibrantes, variando entre o azul turquesa, verde
esmeralda e cinza azulado, dependendo dos minerais presentes e da incidência
da luz.
Descrever o que senti ao longo dos trilhos de Plitvice,
descrever o deslumbramento destas imagens e sensações... não me parece
possível! 58 anos depois ... concretizei o Sonho!
Gracias a la Vida 🙏💖
25.05, 20h26: Ao fim do dia, em Zadar, chegávamos ao
Adriático... e a um dos mais belos pores do Sol do Mundo
2ª feira 26: Zadar... costa da Dalmácia. Um dia quase
inteiramente dedicado a esta maravilhosa cidade, debruçada sobre o
Adriático. Ainda no domingo, ao pôr do Sol... fomos ouvir a música
do mar, no "órgão do mar", um curioso sistema de tubos debaixo de água e que transformam o local
num grande instrumento musical, tocado pelo vento e pela batida das ondas.
No "órgão do mar", Zadar, 26.05.2025, 10h40: onde o mar e o
vento tocam música...
Destaque, em Zadar, para o antigo fórum romano, hoje uma espécie de
museu arqueológico ao ar livre, a Catedral, popularmente conhecida por
Sv. Stosija, fundada no séc. IX e reconstruída segundo os cânones
do românico italiano, a Torre do Relógio, além da beleza do mar e das
ilhas frente ao passeio marítimo. Zadar, sem dúvida uma excelente
surpresa.
Forum romano e Torre, em Zadar. Ao fim da tarde... iria
subir ao cume da Torre
Porto de Zadar, 26.05.2025, 14h40
Igreja de Santo
Donato
Panorâmica do alto da Torre, com a enseada e a Marina de
Zadar
A cada dia o nosso tour balcânico se revelava uma maravilhosa
mistura de atractivos naturais e históricos... além de uma festa de
convívio e de Amizade entre todos 💖. Com duas noites em Solin,
arrabalde de Split, o nosso sexto dia foi dedicado a esta última
cidade e à de Trogir, verdadeiras jóias arquitectónicas, históricas
e culturais. Cada dia, cada manhã, cada hora era uma surpresa!
Da janela do nosso alojamento em Solin, com vista para as
montanhas dináricas, 27.05.2025, 07h35
Entrada em Trogir e Praça João Paulo II, 27.05.2025,
09h55
Porta sul das muralhas de Trogir e panorâmica da
Čiovski most, a ponte que liga a cidade à ilha de
Čiovo
E à tarde, na animada marginal de Split, ao longo das
muralhas do
Palácio de Diocleciano, 16h00
Património da Humanidade pela UNESCO, as origens da cidade de
Split remontam aos séculos IV a II a.C. No coração da cidade antiga
e testemunho significativo da presença romana, está o
Palácio de Diocleciano, com os seus 1700 anos de história, a
Catedral de S. Domnius, inicialmente construída para ser o mausoléu de Diocleciano, e o Templo
de Júpiter.
Gregório de Nin (Grgur Ninski), bispo croata do século X que ocupa
um lugar profundo na história da nação, representando as lutas e os
triunfos da identidade cultural e religiosa croata.
Narodni Trg, a Praça do Povo, Split, 17h30
Com o Sol a baixar sobre a Riva, a
bela marginal de Split, 19h00
A descoberta da Costa da Dalmácia é
como que um livro de História viva. 30 anos depois das últimas guerras
balcânicas, encontrámos cidades bem desenvolvidas, cheias de história, de
turismo e de vida.
A dinner by the seaside em Split... porque a Vida também é
feita de convívio... e gastronomia (Veja mais fotos
aqui)
E ao 7º dia... entrávamos na Bósnia Herzegovina, rumo a
Mostar. Era o dia em que ia repetir a foto de 1967, com que iniciei
esta crónica, junto à
Ponte Turca de Mostar. Fundada pelos turcos no séc. XV, a cidade é um ponto de encontro das
culturas ocidental e oriental... e uma das zonas mais martirizadas durante
a guerra da Bósnia. Mostar é contudo hoje, felizmente, uma cidade
fervilhante de vida!
Rumo à fronteira da Bósnia e a Mostar,
28.05.2025, 09h30
58 anos depois, voltei a Mostar e à sua velha
Ponte Turca, sobre o Neretva Não sei se se notam diferenças entre as
duas imagens...😜
Panorâmicas da Ponte Velha - Stari Most - sobre o
Rio Neretva para sul e para norte
A Ponte Velha permaneceu firme durante 427 anos... até ser destruída
em 9 de novembro de 1993, na Guerra da Bósnia. O Banco Mundial a
UNESCO e outras instituições promoveram a sua reconstrução após o
final da guerra, tendo sido reaberta em 23 de julho de 2004. O turismo
é hoje a grande fonte da dinâmica da cidade. Embora
a Bósnia não faça parte da zona Euro nem da União Europeia,
ao contrário da Croácia e da Eslovénia, o euro é aceite em todo o
lado, inclusive devolvendo o troco em euros. A moeda oficial é contudo
o marco bósnio (KM), sensivelmente equivalente a 0,50 €
O grupo e as guias, numa Casa
Turca de Mostar, 12h30
O almoço foi num dos muitos restaurantes do
casco histórico... a que não faltou o café turco...
Foz do rio Radobolja, pequeno afluente do Neretva,
aos pés da Ponte Velha de Mostar, 15h20 (Ver
mais fotos aqui)
Mas o dia iria acabar em Dubrovnik, a "pérola do Adriático", de
novo na Croácia. A Bósnia possui apenas uma estreita faixa de acesso ao
mar, com pouco mais de 20 km, junto à pequena cidade de Neum. No
final do Séc. XVII, a República de Ragusa (actual Dubrovnik) cedeu o
"corredor de Neum" ao Império Otomano, em parte para impedir um maior
fortalecimento da República de Veneza na região.
Neum, 28.05.2025, 17h45. Ao fundo, a Ponte de
Pelješac, contornando o "corredor de Neum"
E com Dubrovnik à vista, última "escala" desta
maravilhosa digressão balcânica
O imenso trânsito e as sinuosas estradas bósnias ditaram que levássemos
cerca de três horas para percorrer os 150 km de Mostar a Dubrovnik, mesmo
com a menor morosidade nas formalidades de fronteira, em relação à entrada
matinal na Bósnia. Mas ao fim da tarde estávamos na "jóia da coroa" do
litoral croata: Dubrovnik... a tal também "esquecida" na minha
viagem de há quase seis décadas.
Dubrovnik: Porta Pile na manhã chuvosa de 29.05. A
nossa guia faz a apresentação da sua cidade... e das marcas da
guerra.
A cidade amuralhada de
Dubrovniktem duas portas de entrada e saída que permaneceram quase intactas desde
a sua construção nos séculos XVI e XVII: a Porta de Pile e a
Porta de Ploče. Cidade mártir na guerra pela independência, o cerco de Dubrovnik e os
bombardeamentos massivos resultaram na destruição quase total da Cidade
Velha, Património Mundial da UNESCO. Mas a velha Ragusa renasceu das
cinzas, transformando-se numa encantadora cidade, que soube reconstruir-se
e atrair os milhares de turistas que percorrem as suas ruas e as suas
muralhas... palco das filmagens de "A Guerra dos Tronos" entre 2011 e 2018, o que teve um impacto significativo no turismo e na
economia local.
Na Stari grad, ou cidade velha, a nossa guia Anika escolheu
a Catedral para nos contar a sua vivência da guerra...
Sabermos que houve uma guerra é uma coisa... ouvirmos histórias contadas
na primeira pessoa por quem a viveu é outra. O facto de
Dubrovnik estar protegida pela Unesco fez crer que a guerra
respeitaria a cidade amuralhada. Os habitantes não estavam
preparados para um ataque, não tinham exército e não receberam nenhum tipo
de apoio internacional. As tropas sérvias atacaram a cidade e os arredores
por terra, mar e ar, aproveitando a sua proximidade com a fronteira de
Montenegro. O cerco e bombardeamento pelo Exército Popular Jugoslavo durou
8 meses - de 1 de outubro de 1991 a 31 de Maio de 1992 - e continua
presente na mente de todos os sobreviventes. Cada um sobrevivia
como podia... se podia. A Anika contou-nos a história do que é ter fome...
porque nada entrava nem saía das muralhas da cidade. Contou-nos como lutou
para seguir em frente sempre que era possível. Sem dúvida um testemunho
impressionante, que emocionou a maior parte do grupo. Trinta anos depois,
é fácil diferenciar nas paredes, muralhas e telhados de Dubrovnik o que
são materiais antigos e recentes, reconstruídos depois da guerra.
Palácio do Reitor e, ao fundo, a colina e miradouro de Srd,
para o qual há um
teleférico... que ficará para uma próxima vez...
Igreja de Santo Inácio
de Loyola
Muralhas noroeste
E mais um almoço de grupo... mais uma prova da gastronomia croata,
29.05.2025, 12h55
A manhã chuvosa tinha entretanto dado lugar ao Sol e até a algum calor. A
parte da tarde era livre. Quem quisesse poderia ir às compras, visitar
algum monumento ou museu que não tivéssemos visto... ou percorrer as
velhas
Muralhas de Dubrovnik. Apesar do preço algo elevado (40 €)... não pensei duas vezes... e não
me arrependi. As muralhas são um verdadeiro símbolo da resistência e do
desejo de liberdade que constantemente marcou a história de Dubrovnik.
Percorrê-las, mesmo sabendo que poucas daquelas pedras são originais... é
como viajar no tempo... é sentirmo-nos um pouco personagens de uma
qualquer "Guerra dos Tronos"... sabendo contudo que a guerra não foi e não é coisa do passado... que
a guerra não foi e não é uma história imaginária e ficcionada... sabendo
que a guerra foi e é a peste das pestes... o exacerbar do pior da natureza
humana. "In peace we trust"... como se lê nas muralhas da
fantástica cidade de Dubrovnik... que mereceram que fizesse um vídeo
especial.
Como se vê no vídeo, embora separado das Muralhas, o
Forte de S. Lourenço, ou Lovrjenac, também é de visita obrigatória (com o mesmo
bilhete das muralhas)... e como fica a poente da cidade amuralhada...
surgiu a hipótese de regressar a pé ao Hotel onde estávamos alojados, na
península de Lapad. E assim, contando com o percurso matinal em grupo na
Stari Grad e com os quase 3 km nas muralhas, a minha caminhada
acabou por totalizar quase 14 km. E adorei este regresso a pé, bem como o
fabuloso pôr do Sol que, já em grupo, fechou com chave de ouro os fins de
dia deste périplo.
Baía de Uvala Lapad (duas primeiras fotos) e praia do
extremo oeste da Península de Lapad
O fabuloso pôr do Sol na extremidade da
Península de Lapad, 29.05.2025, 20h10
Bem... tudo tem um fim... mas antes do fim há quase sempre um epílogo. E o
epílogo, para estes 36 amigos que se juntaram para um
tour balcânico de 9 dias, foi um espectacular passeio de barco
frente a Dubrovnik e ao seu espectacular litoral. Sim, 36... já que
a nossa excelente guia
Verónica Jechiu
acompanhou-nos sempre... e 9 dias bastaram para a considerar uma amiga...
com muita paciência para todos. Foram 9 dias fabulosos, em que conhecemos,
convivemos e aprendemos! Gracias a la Vida!
Um adeus a Dubrovnik... visto do mar e da serra, 30.05.2025
(Ver
mais fotos
de Dubrovnik)
E aproximávamo-nos de casa. A norte de Zamora, 30.05.2025, 21h50